sábado, 19 de março de 2011

Devolva-me - Celly Borges


Para Luiz Poleto

Eu estava sentada na poltrona velha, em frente à lareira do chalé em que me refugiei para ficar longe de tudo e de todos, não tinha nada para me guiar, eu não enxergava. Mas eu sentia.

Depois de tanto tempo sem a visão, meu olfato ficou aguçado, eu o acharia onde estivesse. Sorri. Afinal, conseguir meu alimento nunca fora problema algum, nem com esta limitação imposta por ele.

Há tempos procurava aquele que me deixou sem ver a luz do luar - a luz do sol era minha inimiga há séculos. Não buscava me vingar. Ah, a quem vou enganar? Eu queria a vingança, doce e certa vingança.
Senti que ele estava próximo, não tanto, para um ser normal. Mas para mim, ele estava, outra vez sorri, senti que era um sorriso que me desfigurava, eu estava quase louca. E feliz.

Lentamente retirei o livro em braile e coloquei na mesinha ao lado. Um copo caiu, não me importei, claro que estaria vazio, não continha o alimento de que eu necessitava. Peguei a manta e a dobrei com capricho, levantei e a depositei na poltrona. Espreguicei-me. Estava pronta para caçar e com muito bom humor.

Coloquei meus óculos escuros, afinal não queria que minha vítima tivesse logo contato com minha deformidade. Vesti o sobretudo e sai.

Ah como o ar do anoitecer me fazia bem, podia respirar, e sentir diversos aromas, inclusive o dele. Aquela seria uma noite divertida.

Não havia obstáculos para me deter, e segui até o prédio em que ele estava. Tinha mudado há pouco para aquele local. E quando consegui percebe-lo, minha razão mostrou seus dentes afiados. Sentei no banco na praça do outro lado da rua e esperei. Queria saber todos os movimentos que ele fazia em seu apartamento. Desejava que ele se despedisse. Apesar de não poder ver, sabia que ele passava às vezes pela janela, cantava alguma música que não me interessei em saber qual era. Ele conversava com alguém, acredito que sua esposa. Pensei em persuadi-lo a fazer com ela o que tinha feito comigo. Sim eu poderia, esse era um de meus dons. Persuadir pessoas, uma forma adorável de torná-las minha. Mas eu não precisava.

Lentamente me levantei, tinha ouvido dizer que precisava sair, e segui para a porta dele. Quando saiu, lá estava eu. E sorri. Ah como daria tudo para ter visto seu semblante. Mas de repente fiquei séria, e senti seu medo. Ele estava arqueado para trás.

– Olá, Sr. Poleto. Vim buscar o que me pertence – ele voltou a respirar e eu sorri. – E quero agora.

Ele voltou para dentro de casa e se trancou lá. Como me senti tola. Dei um passo para a rua e corri de encontro à porta, que cedeu no primeiro golpe. Já tinha conseguido me acostumar com escadas. Outro golpe na porta do apartamento e ouvi gritos lá dentro. Uma mulher e uma criança. Droga! Haviam colocado móveis escorando a porta. Mais trabalho, mas nenhum obstáculo seria suficiente agora. Retomei o fôlego e me lancei contra a porta, ela bateu na parede no outro lado, e os móveis ficaram destruídos.

– Ops. Desculpem-me, mas é falta de educação não receber as visitas... eu acho – lá estavam eles, parados me olhando, fui obrigada a dizer que eu não lhes faria mal. – Isso é com seu pai!

O menino me olhou e apontou para uma porta. Fui até lá e abri. Havia uma prateleira com um vidro... vazio! A raiva me tomou desta vez. A calma fugira de mim. Voltei ao garoto e perguntei por seu pai. Não havia sorriso em minha face, o ódio me consumia. Sai rápido daquele local, seguindo o cheiro dele. Meu vestido negro não permitia passos longos. Mas de qualquer forma eu era mais rápida, minha natureza era diferente. Ele corria muito, o que queria dizer que pegou algum transporte, talvez um cavalo, ou mesmo uma carruagem. Muito mais fácil seguir. Ele parou, eu senti e apertei o passo.

De fato era uma carruagem. Mas os cavalos não agüentavam mais. Eu sorri. Ele parou e olhou para mim.

– Desisto – e abriu as mãos. Lá estavam eles, retirei os óculos, o peguei e coloquei no orifício vazio. Agora eu voltava a enxergar.

– Meu olho é meu! – virei as costas e voltei caminhando. Sorrindo.

Vi quando Poleto abriu a mão e viu que ainda ficara com um olho. Ele sorriu. Eu voltaria.





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