domingo, 27 de fevereiro de 2011
O Livro dos Vampiros - JEAN-PAUL BOURRE
PRIMEIRA PARTE
O Vampirismo, uma doença de alma
Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a ignomínia, para a reprovação eterna.
DANIEL (XII 1-3)
Segundo as lendas e as crenças o vampiro seria uma criatura da noite, um não morto absorvendo a vitalidade dos vivos para escapar ao túmulo. Construiria dessa forma uma espécie de imortalidade mágica na região das trevas, que separam a vida da morte.
Os vampiros existiram?
Processos verbais e crônicas do século XVIII são explícitos. No decorrer de certas exumações, sob o controlo das autoridades locais, desenterraram-se cadáveres em perfeito estado de conservação: «O corpo não libertava qualquer cheiro, tinha sim, pelo contrário, mantido o seu estado de frescura sem que apresentam-se o mínimo sinal de decomposição. O sangue que saía da boca do cadáver era tão fresco como se de uma pessoa sã se tratasse. O cabelo, a barba e as unhas tinham crescido e a pele começava a separar-se do corpo, enquanto uma nova se formava. O rosto, as mãos, os pés, estavam igualmente conservados.» (Asfeld, 1730.)
Na maior parte dos casos; neste tipo de sepulturas (contrastando com as outras) registram-se tenebrosas vibrações. Fazem-se na aldeia o levantamento de muitas e misteriosas mortes, ocorridas na proximidade do cemitério. Animais degolados, homens e mulheres exangues, crianças mortas por debilidade e outros tantos casos de enlouquecimento.
Os agentes da polícia e os religiosos encarregados de fazer o inquérito dirigiram-se por fim ao cemitério, como era inevitável!
Os túmulos são abertos e o coração do cadáver é trespassado com o auxílio de uma estaca, a cabeça cortada à machadada e o caixão cheio de cal viva. Processos verbais, são redigidos e assinados pelos oficiais do rei e autenticados pelas autoridades locais.
Em 1776, D. Agustin Calmet, padre beneditino e abade de Senóvia, redigiu o seu Tratado sobre as aparições dos espíritos, reencarnações, anjos, demônios, e vampiros da Silésia e da Morávia, dedicado ao príncipe Carlos de Lorena, Bispo d’Olmütz.
Relata-nos ele: «Citam-se e ouvem-se testemunhas, examinam-se situações, observam-se os corpos exumados procurando sinais vulgares, como a mobilidade, a flexibilidade dos membros, a fluidez do sangue, a incorruptibilidade do corpo. Se tais pormenores forem na verdade observados concluir-se-á que são eles quem molesta os vivos, pelo que são entregues ao carrasco a fim de que ele os queime.» E mais adiante, adverte do perigo que paira: «Este mal que espalha o terror, castiga particularmente a Hungria, a Polônia, a Silésia, a Morávia, a Áustria e a Lorena. Quem de- le nos livrará, pois não deixará de aumentar caso não se puser cobro a tal situação?»
E conclui por fim: «No meio de tudo isto, não vejo senão trevas e dificuldades, cuja solução deixo aos mais hábeis e ousados.»
Superstições, alucinações, lendas ou presenças autênticas vindas de além túmulo? A caça está aberta...
Quando se estuda o vampirismo pode dizer':"se que se trata de uma via tenebrosa, de um culto da noite cuja divindade central seria o não morto visto que o vampiro cultiva a sua personalidade demoníaca. Ele ama o seu próprio corpo e tenta, por todos os meios mágicos, evitar a sua desintegração.
Os adeptos deste culto mudam de nome segundo as regiões, os dialetos, os costumes. O jesuíta Gabriel Rzazcynsi explica em 1 721: «Há mortos que mesmo no túmulo conservam a avidez de devorar e que, à boa maneira dos espectros, fazem as suas vítimas pela vizinhança; os polacos dão-Ihe o nome especial de Upiers e Upiercza. A Europa central foi, durante muito tempo, o feudo destes senhores da.noite, capazes de interromper o processo de decomposição do corpo, suspensos entre a vida e a morte nessas zonas de obscuridade que as antigas religiões povoavam de diabos, de demônios.
Nas províncias da Alemanha, em Hasse, Wurtenberg, Brunswick, afirmava-se que o cadáver-vampiro, uma vez saído do caixão, tinha o poder de se transformar em ave noturna e voar durante a noite à procura das suas vítimas.
Mais perto de nós, o professor Vukanovic assinalou danos causados pelos vampiros na Sérvia, nos anos de 1933,1940, 1947 e 1948, principalmente na província de Kosovo-Motohija.
Em 1970, o feiticeiro inglês David Farrant foi condenado, sem apelo nem agravo, a cinco anos de 'prisão por violação e profanação de sepultura. E no prosseguimento de numerosos testemunhos acerca de uma «presença» no cemitério de Highgate, no Norte de Londres, que Farrant e os seus adeptos tentaram um ritual de invocação do vampiro. Os jornais ingleses seguiram esta rocambolesca aventura durante várias semanas. Falou-se no caso de um caixão arrombado, de um cadáver decapitado por Farrant, de símbolos mágicos pintados sobre as sepulturas, de obsessões, de pesadelos que apavoravam os habitantes de Highgate, de animais degolados pelas veredas do cemitério, etc.
Assim o vampirismo, que tem como figura principal a sombria e arrogante figura do famoso príncipe Drácula – embora estejamos longe das epidemias vampirescas dos séculos XVIII e XIX –faz sempre os seus discípulos. Propõe um método para vencer a morte, utilizando o fascínio e o desejo, jogando com o medo e a obsessão. E uma espécie de espiritualidade contraditória que procura evitar a decomposição do corpo, mantendo os instintos e os impulsos selvagens do homem para além túmulo. O oposto às espiritualidades libertadoras que partem as amarras e comunicam ao homem o sentimento de eternidade, a união com Deus.
A magia negra do vampiro permitiria obter uma eternidade fictícia, uma espécie de estado letárgico intermediário. O vampirismo seria uma doença da alma.
Para Siméon le Nouveau Théologien – eremita do século X – só a perfeição espiritual permite vencer o túmulo e libertar-se do tempo e da morte, escreve ele nos seus Capítulos Teológicos: «Morre sem na verdade morrer todo aquele que atingir a perfeição, porque viva em Deus, ao qual está unido, como que tendo deixado de viver em si próprio.»
Na outra extremidade, Stanislas de Guaita, esoterista e mestre da Ordem Cabalística de Rosa-Cruz, declara: «Proceder aos ri tos sanguinários num túmulo entreaberto, agrava talvez a situação: é sugerir à alma embaraçada ainda nas peias magnéticas do cadáver a tentação de se manter assim, é estender-lhe o cálice do abominável vampirismo.»
As leis do sangue
O vampirismo está sempre associado a um drama, uma maldição, uma doença psíquica hereditária. Na epopéia negra e vermelha dos vampiros apareciam casais amaldiçoados, homicidas megalômanos tais como o príncipe VIad Drakul, grandes famílias atingidas por um mal misterioso, como os Bathory ou os Cillei na Romênia do século XV.
Todos eles fascinados por uma espécie de vontade mórbida, rapidamente transformada em neurose, em obsessão. Cultivam desejos dos mais perturbadores, tais como Bárbara Cillei e seu irmão partilhando da mesma cama ou VIad Drakul empalando os seus prisioneiros e fazendo-se servir de faustosas refeições, entre cadáveres suspensos de lanças e piques.
Vive-se febril e loucamente a sexualidade e a morte. O leito nupcial torna-se fúnebre pelas maldições e juramentos terríveis nele feitos. «Voltarei!...» Uiva Bárbara Cillei antes de morrer. Herman, seu irmão, invocará os demônios da antiga magia para que a irmã ressuscite. As crônicas romenas da região da Transilvânia afirmam que o êxito teria sido completo. Bárbara Cillei saiu do túmulo visitando o castelo de Varazdin, onde tem a sua sepultura. Coincidências ou epidemias diabólicas? Em 1936, na aldeia de Kneginecc – perto de Varazdin – várias pessoas novas, rapariguitas, pereceram de maneira estranha. «Algumas morreram em poucas semanas, em dois ou três meses no máximo, sem se lhes conhecer qualquer doença. Todas tinham sobre a garganta duas ou três manchas azuladas. Muitos destes jovens acordavam durante a noite atormentados por horríveis pesadelos.»
O ritual do exorcismo praticou-se nas ruínas de Varazdin por um sacerdote ortodoxo da igreja do Oriente. Rapidamente pararam as manifestações. Dizem os velhos de Kneginec que o Grande Exorcista libertou a aldeia, mas ninguém esclarece se os restos mortais de Bárbara Cillei, morta no século XV, foram ou não exumados.
Os processos verbais que relatam os fenômenos vampirescos demonstram-nos através de que mecanismos o não morto se propaga e contamina quantos leiam. Citemos por exemplo o inquérito conduzido pelo tenente Buttner, do regimento de Alexandre de Vurtemberga, a 7 de Janeiro de 1732, o Visum et Repertum, que intrigou Luís XV e o duque de Richelieu:
«Tendo ouvido dizer por mais de uma vez que na aldeia de Medwegga, na Sérvia, os pretensos vampiros provocavam a morte de muita gente sugando-lhes o sangue, recebi a ordem e missão, através do comando superior de Sua Majestade, para que o caso fosse esclarecido beneficiando, para questão de inquérito, do apoio de oficiais e de dois Unterfeldscherer.
»Perante o capitão da Companhia de Heiduques Gorschitz, Heiduck, Burjaktar e os outros heiduques mais antigos do local, examinamos os fatos. Estes, logo que interrogados, nos relataram unanimemente um caso ocorrido, havia cinco anos, com um heiduque da região (um heiduque é um membro da nobreza local) chamado Arnold Paul que ao cair do carro de feno partira o pescoço. Mais tarde, passados alguns anos, teria contado repetidas vezes ter sido vítima de um vampiro, perto de Casanova, na Pérsia turca.[1]
»Teria por esse fato resolvido comer alguma terra no túmulo de um vampiro, esfregando-se com o sangue do mesmo, uma vez ser voz corrente evitar assim a maléfica influência. Todavia, vinte ou trinta dias após a sua morte havia gente a queixar-se que Arnold Paul os atormentava, chegando mesmo a matar quatro pessoas. Para que se acabasse com este perigo, o heiduque aconselhou os habitantes dessa região a desenterrarem o vampiro e assim foi, quarenta dias depois da morte deste. Encontraram-no em perfeito estado de conservação; a carne não decomposta, os olhos injetados de sangue fresco que também escorria do nariz e dos ouvidos, sujando-lhe a camisa e a mortalha. As unhas das mãos e pés estavam soltas, e novas unhas cresciam em seu lugar, pelo que se concluiu tratar-se de um arqui-vampiro. Assim, segundo a norma do sítio, atravessaram-lhe o coração com uma estaca.
»Mas enquanto se procedia a esta ação, jorrou do corpo uma enorme quantidade de sangue, acompanhada de um lancinante grito. Nesse próprio dia foi queimado, e as cinzas lançadas ao túmulo. Aquela gente afirmava que as vítimas dos vampiros transformam-se, por sua vez, em vampiros. Por tal razão se decidiu proceder da mesma forma para com os quatro corpos atrás referidos.
»O caso não ficou por aqui porque o dito Arnold Paul atacara não só pessoas mas também gado!
»Aqueles que diziam ter comido carne de animal contaminado e que disso vieram a morrer ficaram presumíveis vampiros, tanto que no espaço de três meses, (em dois ou três dias) sem nenhuma doença previamente detectada, pereceram dezessete pessoas das idades mais diversas.
»Heiduque Joika faz saber que a sua nora, Staha Joica, tendo-se deitado quinze dias antes de perfeita saúde, soltou durante a noite um grito medonho, acordou em sobressalto tremendo de medo, queixando-se de ter sido ferida no pescoço por um homem, filho do heiduque Milloe, que morrera havia quatro semanas. Desde então definhando hora a hora, morria oito dias depois.
»Por todas estas coisas nessa mesma tarde, depois de ouvidas as testemunhas, fomos ao cemitério acompanhados pelo heiduque da aldeia, para que se abrissem os túmulos suspeitos e se observassem os corpos.
»Esta investigação revelou os seguintes fatos:
»– Uma mulher de nome Stana, ao dar um filho à luz e no seguimento de uma curta doença de três dias, morreu aos 20 anos e 3 dias confessando que, para se livrar de toda a espécie de influências, se esfregara com sangue de vampiro. O seu estado de conservação era excelente. Aberto o corpo descobriu-se uma grande quantidade de sangue fresco na cavitate pectoris.
»– Miliza, uma mulher com 60 anos que morreu após três meses de doença e enterrada noventa e tal dias depois, tinha ainda uma quantidade de sangue em estado líquido.
»– Os oficiais do rei enumeram ainda onze pessoas da mesma aldeia, mortas em circunstâncias estranhas mantendo sangue fresco e concluem a seguir, no seu relatório: ‘Depois de devidamente registrado o que atrás foi exposto, ordenamos à ciganagem que passava que decapitassem todos esses vampiros. Foram queimados os corpos e espalhadas as cinzas por Morávia, enquanto, devolviam aos caixões, os corpos encontrados em estado de decomposição.’ EU AFIRMO e os Unterfeldscherer, QUE TODAS AS COISAS SE PASSARAM TAL COMO ACABAMOS DE RELATA-LAS, em Medwegya, na Sérvia, a 7 de Janeiro 1732.»
Assinatura: os oficiais do rei... As testemunhas. Belgrado, 26 de Janeiro 1732.
O êxtase negro
É nesta atmosfera de caça aos vampiros que a igreja se deparou com a mais terrífica blasfêmia: a maldição do sangue, sangue este de que o Antigo Testamento nos fala como portador do Espírito...! E, pois, pecado mortal por excelência: Um crime contra o Espírito!
E no entanto, nas histórias de vampiros, a morte aceita este estado de vida intermédio, esse sono do morto-vivo encerrado no seu caixão, tendo o poder de vagabundear durante a noite como ave noturna que descreve círculos concêntricos ao aproximar-se da sua presa.
E de noite que o duplo astral do vampiro se transforma em lobo, fogo-fátuo, morcego. Está ligado aos vivos por forças subterrâneas, ligações secretas que vêm prender-se como anzóis ao sono de futuras vítimas. Na versão de Bram Stoker – autor do Drácula – a hora do vampiro situa-se entre a meia-noite e a uma hora da manhã, mas as invocações do morto-vivo fazem-se ao pôr do Sol.
O sono não protege. A consciência de quem dorme fica anestesiada, a vontade entra em letargia e qualquer espírito malfeitor pode vir ocupar o seu espírito deixando-lhe ficar uma imagem, um pesadelo que manterá ao despertar sob a forma de uma obsessão.
Pela manhã, a vítima do vampiro lembra-se de ter tido um sonho estranho que lhe deixa um profundo cansaço, um estado de extrema debilidade. Ela experimentou aquilo a que os exorcistas do século XVIII chamam: a VIOLAÇAO DA ALMA.
Sintomas de uma manifestação oculta que escapa ao túmulo, ou desequilíbrios psicopatológicos?
Cada um explicará o fenômeno à sua maneira, agarrando-se às suas crenças e terrores, mas isso não modificará em nada a natureza dos sintomas. São de tal forma características que um padre exorcista ou os velhos aldeões que «sabem», conseguem detectar a passagem de um vampiro.
O estudo dos processos verbais e das aparições de vampiros nos séculos XVIII e XIX –sobretudo na Europa central – permite-nos abrir o dossier médico-psíquico do homem e da mulher tornados vampiros.
Uma mulher ainda nova que recebeu a visita noturna de um vampiro, acorda pela manhã lembrando-se de um pesadelo vago, impreciso mas aterrorizante. Desde logo, com as visitas noturnas o seu comportamento vai-se sucessivamente modificando. A fraqueza e a prostração parecem ser os primeiros sintomas. Seguidamente estará sujeita a perdas de consciência, novos pesadelos cada noite um tanto mais precisos, êxtases negros onde os ritmos deslizam com a lentidão de um veneno. Porque é bem de um veneno que se trata. A vítima – que não entrou ainda na «cadeia» dos adeptos – vive num estado permanente de sonambulismo e súbitas entradas em transe, que surpreende e horroriza quantos a rodeiam dada a modificação repentina.
Acorda de manhã, umas vezes com dores de cabeça, com enxaquecas sem aparente razão de ser, com a sensação de pesadelos de que se não lembra e a idéia vaga de ter dormido com um peso sobre o peito, uma impressão de asfixia durante o sono.
Outras vezes tem um acordar diferente. Olhos abertos e vítreos, ela persegue ainda o pesadelo noturno, de olhar vago.
Este torpor não durará além de alguns instantes mas o dia decorrerá entre dois mundos, com ausências, com incompreensíveis sonolências e, por vezes, comas com a duração de dois ou três minutos.
A doença desenvolver-se-á rapidamente até à morte. Trágico começo no decorrer do qual a vítima se torna «adepta» e cairá no abismo. Ela já não poderá abandonar a cama, e a palidez é tal que nem a febre diminuirá. Deixa de conhecer os membros da família. O sono é cada vez mais freqüente e mais profundo, dando-lhe cada vez mais o fácies da morte. O pulso fraco, os olhos parados. Interrogam-se entre si os especialistas. Um deles crê tratar-se de uma «histeria cataléptica».
Raymond Rudorff – que explorou os «arquivos do Drácula» – descreve maravilhosamente um dos transes vividos pela vítima do vampiro:
«Depois de ter interpretado as mais encantadoras melodias, Adelaide atacou temas mais violentos. Um brusco entusiasmo se apoderou dela; os olhos começaram com um brilhar sobrenatural; empalideceu, vacilou, mas recuperou, e de novo, batendo as teclas com vigor redobrado, lançou-se numa série de áreas ainda mais violentas que as primeiras.
»Estranhas visões desfilaram diante dos meus olhos enquanto ela tocava energicamente acordes vibrantes: tempestades em plena montanha, o roncar de mar revolto, assembléias noturnas de bruxos, noite de Walpurgis[2] sobre qualquer cume descampado...
»Adelaide tornou-se cada vez mais pálida, a música cada vez mais violenta até que, largando um grito, Conrad se levanta num salto dizendo:
»– Basta! Por amor de Deus!
»Tremendo dos pés à cabeça, Conrad aproximou-se do piano enquanto Adelaide se levantava olhando-o com ódio.
»– Adelaide – insistiu ele –, suplico-lhe, não toque mais nada! Você está a fazer mal a si própria!
»A transformação que se operou nela foi espetacular. A doce e amável rapariga já não existia. Em seu lugar, erguia-se diante de nós uma cara lívida em fúria, transtornada por uma cólera intensa e, de voz ríspida e fria (que me gelou o coração), vociferou: «Não obedeço senão ao meu senhor!» Sacudida por terrível tremura, deu alguns passos e caiu redonda aos pés de Conrad.»
Todas as manifestações de vampirismo pertencem a estas atmosnegras. Nada sustém esta fascinação pelo abismo, este culto do terror!
SEGUNDA PARTE
Os poderes da noite
Desde o despertar da humanidade que o homem vem praticando o culto do sangue para comunicar com os espíritos secretos da natureza, para adivinhar o enigma do universo e pôr fim à angustiante pergunta: «como vencer a morte?»
Conta-se que Horácio fez comparecer duas mulheres mágicas para que se invocassem as divindades e se compreendessem as coisas do porvir: «Primeiro dilaceram com os dentes uma pequena ovelha cujo sangue foi preparado numa cova para que viessem ali as almas dos mortos. Em seguida colocaram, perto, duas estátuas, uma de cera, outra de lã. A de cera era mais pequena e subordinada da outra. Esta a seus pés, como que suplicante, apenas esperava a morte. Ao fim de diversas cerimônias mágicas, a imagem de cera foi derretida e consumida».
O sangue permitia atrair os espíritos e dar-lhes um rosto, uma forma.
Lucien de Samosate descreve os vampiros na sua Histoire Veritable. Dá-lhes o nome de Onosceles, e afirma que estes seres se alimentam, não apenas do esperma mas também da carne e do sangue de estranhos, atraídos pelas suas carícias. A flor do alho não tem qualquer poder contra os vampiros, contrariamente ao que acontece com a raiz de malva que os obriga a, fugir, confessando os crimes que cometeram.
«À noite», escreve ele, «chegamos a uma ilha pouco importante, toda habitada por mulheres (pelo menos assim o pareciam) falando a língua grega. Aproximam-se, estendem-nos as mãos e beijam-nos. Adornadas como se fossem cortesãs, todas novas e bonitas, vestidas com túnicas até aos calcanhares. O nome da ilha é Cabalusse, e a aldeia é Hydamardie. Cada uma destas mulheres, como que tomando conta de nós, conduziu-nos a sua casa e deu-nos hospitalidade. Por minha parte, um mau pressentimento tornava-me hesitante. Com um olhar atento, descobri ossadas e caveiras de um grande número de homens. Apetecia-me gritar, pedir ajuda aos meus companheiros, dispormo-nos à guerra preferindo afinal nada fazer.
Agarrei unicamente a raiz de malva que trazia comigo, suplicando que me livrasse dos perigos que me ameaçavam. Um instante passado, e enquanto ela se ocupava em me servir, noto que as suas pernas não são iguais às de outras mulheres, pois tem patas de burro. Desembainhe a espada e, agarrando-a, acorrentei-a e obriguei-a a que tudo me confessasse. Resistiu, mas acabou por me dizer que eram mulheres marinhas chamadas Onoscéles, e que devoram todos os estranhos que ali abordam. ‘Nós embriagamo-los (explica ela) para que se deitem conosco e enquanto dormem, então, degolamo-los’.» Ouvindo estas palavras, deixo-a ainda acorrentada e subo ao telhado onde, com todas as minhas forças, chamo os meus companheiros. Quando chegaram, contei-lhes tudo e mostrei as ossadas conduzindo-os junto da minha prisioneira; eis que, transformada em água, desaparece. Mergulho a espada ao acaso nessa água que se transformou em sangue».[3]
O sangue torna-se o elixir da vida, o mesmo princípio de vida e de morte. Nada escapa à sua lei. Ele, só por si, contém as origens do homem e do mistério da sua morte. «Os demônios impuros», escreve Hallywell, «em Mélampronéa (1681) sentem prazer em sugar o sangue quente dos homens e dos animais. As feiticeiras oferecem a Satanás uma parte do sangue delas no momento da assinatura do pacto...» Magia noturna, juramento de amor, combate, vitória... nada escapa à lei do sangue. É ele que permite selarem-se contrato, invalidá-los, matar, comunicar com os mortos.
»Salve, Pai dos deuses! Clamam os padres da morte no antigo Egito. Salve vós os sete Hacthor com os cornos sangrentos a ornamentar-vos! Salve senhores do céu e da terra! Vinde a mim, e que o casal seja um só, uno no mesmo túmulo, forte e incorruptível, ligado pelo sangue e água, pelo terror e pela beleza que descerão vivos a este lugar. Se vós não chegardes a uni-los, eles que estão prontos a receber o vosso raio, eu Nasha, incendiarei Bousiris e queimarei Osíris.»
Os sacerdotes do culto dos mortos não temem lançar um desafio aos deuses supremos, blasfemar para forçar os espíritos do além a manifestarem-se, a tomar sobre si o defunto para a sua longa viagem noturna.
Toda a história mágica dos homens relata a história misteriosa do sangue, o seu poder sobre o destino do homem. O homem transporta a obsessão do sangue através das raças e das civilizações. Podem os homens morrer, desaparecer os impérios, que a humanidade – a mais que velha humanidade – não esquece a presença atemorizante do sangue, a sua presença oculta no interior do corpo, o seu mistério. Cada molécula parece dissimular uma terrível verdade: o próprio segredo do homem e do universo.
Neste túmulo vivo
depositei meu sangue
É desta forma que os adeptos do vampirismo acreditam no supremo poder do sangue. Afirmam que este atravessa o túmulo acordando o duplo, que escapa à decomposição. E o túmulo torna-se a prova alquímica onde a matéria negra trava o seu último combate, em que ela se transforma em Maelström[4] de energias vivas, refazendo vida a partir das cinzas.
O vampirismo cultivou sempre a inversão e negação dos valores espirituais do Evangelho.
Logo que Jesus morreu na cruz, a lança do centurião trespassou o lado e imediatamente saiu sangue que derramou o espírito de Deus.
É nesta fonte de vida que os cristãos virão beber, para que possam ter o direito à ressurreição da carne e à imortalidade.
Através do corpo imolado do Cristo, Deus expande-se e integra-se no mundo.
«Se alguém tem sede, venha a mim! Beba quem crê em mim» declarou Jesus no Templo, em Jerusalém.
A Escritura anuncia: Do seu seio, correrão fontes de vida. É do lado aberto de Cristo que procede o Espírito e se derrama sobre os homens. No momento da Eucaristia, o sacerdote lembra as palavras de Cristo: «Tomou o cálice e dando graças o abençoou e deu aos seus discípulos dizendo: Tomai e bebei todos, este é o cálice do meu sangue, da nova e eterna aliança, derramado por vós e por todos os homens em remissão dos pecados». Assim o sangue de Cristo renova a aliança com Deus, propaga o Espírito e destrói a morte.
A partir dos santos mistérios, os adeptos do vampirismo construíram a sua crença quanto à incorruptibilidade do corpo, do sangue que renova a vida e impede a morte, sem nada purificar, conservando as máculas e os miasmas psíquicos, os instintos da morte, o medo e o ódio... prendendo-se ainda ao mundo dos sentidos e do prazer.
A obsessão do vampirismo é o medo da morte e a necessidade do mundo (apesar do túmulo), e recusar morrer e abandonar o corpo. Todas as patologias estão ligadas para criar assim o monstro noturno, bebedor de sangue, em rebelião contra a luz.
Na mitologia do vampiro sabe-se que o morto-vivo teme a luz do dia porque ela poderá destruí-lo, reduzindo-o a cinzas.
Compreende-se assim porque se diz – no culto do vampiro – que a cruz de Cristo o faz recuar e evita a sua saída do túmulo, pois ela simboliza a luz de Cristo, vencedor da morte destruidora de cada parcela ou átomo de obscuridade que transfigura e ressuscita o mundo e cujo sangue derramado liberta o Espírito. O crucifixo não é um elemento folclórico para filmes de vampiros. É a transfiguração face às forças vegetativas da morte.
O sangue do dragão
Na Romênia do século XV, Drácula – o príncipe Vlad Drakul, senhor de Valáquia –pertencia à Ordem do Dragão, confraria militar de iniciação fundada por Segismundo I da Hungria. Drac – a raiz do nome Drácula – significa Dragão, símbolo de imortalidade e de vitória sobre a morte.
Tradicionalmente, dragão é o guardião do sangue eterno. Para os taoístas, os adeptos que tenham vencido o túmulo tornam-se imortais voadores e tomam a aparência de um dragão. Na magia chinesa, as correntes de energia que atravessam a terra são chamadas «veias de dragão». Da mesma forma, as energias telúricas vindas do subsolo seriam o «sangue do dragão», o poder contido nas suas «veias».
Nas narrações mitológicas o dragão faz ninho nas entranhas da terra, vomita fogo, guarda a entrada da caverna ao fundo da qual protege um monstruoso tesouro. O dragão representa a força, a energia telúrica, a atração, as forças da gravitação que prendem a matéria e impedem a sua sublimidade.
O fato de se ter associado o dragão às forças e espíritos diabólicos não é uma simples superstição. Por detrás dessa crença esconde-se a opacidade, o peso, a obscuridade. O dragão retém a alma nos nós da matéria tal como o minério de ouro que, sem sair do subsolo, não conhecerá a deslumbrante purificação.
Os ascetas dos primeiros séculos da era cristã combateram muitas vezes o diabo sob a forma de um dragão que vem tentar a alma no momento da oração e leva-la de novo à profundidade das trevas.
«A alma da carne está no sangue», dizem as escrituras (Levítico). «E preciso que o dragão morra, isto é, que se destruam as forças diabólicas, para que o sangue se liberte desta força e volte a ser espírito. Então a alma se expandirá nas alturas, em sua plenitude.»
Na mitologia escandinava, Siegfried, o herói solar, bebe acidentalmente o sangue do dragão que acaba de vencer. Desde logo compreendeu a linguagem das aves. Ele espalha o sangue do monstro por todo o corpo, tornando-se incorruptível. A morte já não o deterá. Ele está coberto pelo Espírito.
O sangue do vampiro, retido nas entranhas da terra, não tem qualquer poder espiritual mas sim psíquico. Ele age numa zona fechada e crepuscular, provocando a obsessão, o enfeitiçamento diabólico, a mediunidade, o sonambulismo, o cair em transe. Enfim, todos os sintomas de uma alma doente que desconhece a subtileza e a purificação.
As crenças vampirescas afirmam que o sangue esconde em si um poder indestrutível: a energia psíquica, o fluido mental, ligados inevitavelmente ao magnetismo da Lua.
Para os indianos da América do Norte e do Canadá, o vampiro coloca a sua boca, transformada em tromba, na orelha da pessoa que está a dormir e suga-lhe o cérebro. Note-se, como a maior parte dos casos de vampiros, que se trata de alguém entregue ao sono e, assim, à influência da Lua.
Outras tradições existem em que esta energia poderosa vem diretamente da Lua (de Hécate – pensa-se – a deusa lunar a quem são sacrificados os recém-nascidos de cujo sangue ela absorve a vitalidade).
Nas crenças chinesas, a família do defunto crê que a partir da influência da Lua poderá nascer o vampiro. Então veda todas as fendas do caixão de forma a que os raios lunares não possam aí penetrar. Estes teriam o poder de transformar o cadáver em «Kiang-si», o mesmo que «vampiro». Marcianos – eremita sírio dos primeiros séculos – abandonou o deserto para se consagrar exclusivamente à oração. Theodoret de Cyr conta a sua vitória sobre o dragão com a ajuda da força espiritual:
«Uma das vezes que o grande Marcianos orava no pátio de entrada, um dragão que rastejava pela parede leste debruçava-se lá do alto e, de goela aberta e olhar tenebroso, mostrava as suas intenções.
»Estava presente Eusébio, que ficou assustado com tal espetáculo e, convencido de que o seu senhor nada sabia quanto ao que se passava, gritou para preveni-lo e conseguir que ele fugisse depressa. Porém Marcianos rejeitou, bramindo, os temores daquele, que aliás seriam perniciosos e, persignando-se; soprou. O dragão como que seco pelo fogo e como que abrasado ficou feito em nada, tal como um pedaço de palha queimado.»
A respeito do poder espiritual de Marcianos, oposto aos poderes psíquicos do dragão, Thódoret de Cyr revela: «Marcianos esforçava-se por esconder o dom que possuía, mas as suas virtudes brilhavam como um clarão e punham a nu o poder que ele escondia.» Nas lendas da Transilvânia, vê-se um caçador de vampiros enterrar uma estaca aguçada no coração do monstro. Logo, o sangue escorre em borbotões e o cadáver do morto vivo cai feito em pó.
Vlad Drakul – o Dragão – restitui à terra o sangue que ele mantinha com ajuda do sortilégio. Então, o sangue torna-se Espírito e o corpo libertado parte as amarras e volta ao pó.
A estaca e a cruz
Não há ainda muito tempo que existiam os «caçadores de prêmios» para os quais o vampiro era uma presa natural. Entre as duas guerras mundiais, na aldeia de Pirenil, Podrina, o mágico muçulmano que aí vivia, recebeu mil dinares para destruir um vampiro. Do mesmo modo que em todos os lugares rurais da Europa, o padre cobrava muitas vezes a proteção religiosa que encarnava. Em nome de Cristo muitos erros se cometeram, e a caça ao vampiro degenerou muitas vezes em autênticos massacres de inocentes: «Em 1837, na aldeia de Derknoi, na Rússia, um estrangeiro acabado de chegar tornou-se suspeito para os camponeses e, tomando-o por vampiro, torturaram-no queimando-o em seguida. As pessoas desta região pensavam que apenas de noite estes monstros apareceriam», escreve Tony Faivre.
As mais estranhas crenças nasceram deste medo ao «morto vivo». Assim, gentes do povo germânico consideravam que as crianças que tivessem no corpo alguma mancha avermelhada teriam inevitavelmente de ser «vampiros», mas sob uma forma muito peculiar; sem apresentar aspecto tenebroso. Depois da vida terrestre, diz a lenda, virão como borboleta branca que, pousando sobre o peito de quem dorme, daí extrairão o derradeiro fôlego, o que asfixiará a vítima.
Em Vestefália o vampiro raramente toma a forma de um morcego, mas sim de borboleta. Estas materializações surpreendentes nada têm a ver com o vampiro de carne e osso, vestindo os seus próprios fatos impecáveis, freqüentando os meios mundanos de todas as épocas.
Para as tradições esotéricas, não restam dúvidas: só o duplo, o «corpo astral» do morto tem o poder de agir para além da morte. O corpo não sai nunca do túmulo. E sim a energia do defunto que, por razões desconhecidas, se manifesta ainda depois da extinção das funções vitais.
Destruir esse duplo: tal seria o alvo a atingir pela estaca aguçada que entra pelo peito do vampiro.
Os padres ortodoxos respondiam quase sempre da mesma maneira às superstições. «Que se deite água benta sobre os túmulos, que se abram as sepulturas e se queimem os cadáveres, para que o medo se afaste de toda a aldeia.»
Na Bulgária, era uso o padre erguer a imagem de um santo cristão por cima do defunto, e, pegando nu ma garrafa com sangue, obrigava o vampiro a entrar dentro dela. Depois atirava a garrafa ao fogo.
Na Sérvia, o sacerdote dirigia-se ao cemitério acompanhado pelos camponeses apavorados, tirava o caixão do túmulo, deitava palha por cima, atravessava o corpo do defunto com uma estaca de espinheiro e queimava-o. Em seguida, dizia: «O demônio não virá atormentar mais ninguém.»
A meio do século XVIII, o medo instalou-se um pouco por toda a Europa. Tudo é possível acontecer, desde suspeitar-se das sepulturas, não vão elas servir pa- ra dissimular presenças diabólicas do além túmulo...
Em cada país o clero arranja uma estratégia para combater esses seres da noite e para fazer face aos mortos-vivos, que parece começam a invadir a Europa Central.
«Os sacerdotes», escreve J. L. Degaudenzi, «celebram missa durante os nove dias que se seguem à inumação».
Ao décimo dia, se a epidemia continua desenterra-se o corpo, transporta-se à capela, arranca-se-lhe o coração por entres nuvens de incenso. Também as vísceras são queimadas e tudo o que resta do broucolaque[5]. Em Milo as coisas não se passavam de maneira muito diferente, a avaliar pelo relato de Ricault, em 1679. Uma pessoa excomungada foi, diz ele, enterrada em local distante da ilha de Milo, onde pouco tempo depois surgiram manifestações espíritas. Tudo se preparava então para abrir o túmulo, desmembrar o corpo, ferve-lo em vinho, quando a família deste, enviando dinheiro ao Patriarca de Constantinopla, pediu que lhe fosse levantado o castigo. No momento do levantamento, perante a perplexidade de quem assistia[6], e sete anos após estar enterrado, o corpo desfez-se por completo.
A partir de 1824 o trespassar de cadáveres acabou, embora se mantivesse o enterrar de criminosos e suicidas nas encruzilhadas dos caminhos, para evitar que se tornassem «vampiros» infestando lugares sagrados.
O Código Penal russo previa no seu artigo 1472.º: «Ao suicida não é concedido um enterro religioso.»
Abrir os túmulos e mutilar os cadáveres estava previsto no artigo 234.2 do mesmo Código.
A transformação em lobo
Nas crenças e lendas do vampirismo, o morto-vivo não tem apenas o poder de se transformar em morcego. À noite, quando ele sai do túmulo, torna-se lobo... como se à floresta, às montanhas, aos ermos que rodeiam o seu domínio apenas fosse adequada essa forma flexível, também ela feita para a astúcia, essa forma que mata.
Mas o uivo de lobo (que sendo dado pelos cães chamamos vulgarmente o uivo da morte) não é somente um uivar animal. E o instinto, a resposta, assim que o lobo se apercebe do poder oculto e magnético da Lua.
O vampiro-lobo – dizem as lendas – uiva à Lua.
Ele cumpre um tipo de cerimonial gelado. O vampiro que tem o poder de ficar com o aspecto de lobo não é somente um amante da licantropia. Não é um monstro isolado, perdido na noite e entregue à sua forma animal. Ele contém todos os instintos secretos do animal, todos as suas forças... e mesmo para além disso (padres ortodoxos houve que lhe deram certo crédito). Uma vez que ele tem a faculdade de liderar entre os lobos e os morcegos, o reino animal reconhece nele, por instinto, a energia oculta que lhe vem de antes da morte.
A lenda não esqueceu o peculiar poder do vampiro quando fala nos cães uivando à volta de sepulcros e de animais meios enlouquecidos pela presença do morto-vivo. O animal reage primeiro que o homem, porque compreende antes deste o que representa um vampiro. «Quando ele apareceu de repente ao pé de mim», escreve Stoker no Drácula, «eu direi ter ouvido apenas a sua voz elevar-se e tomar um tom de profunda autoridade. Vi-o então a meio da rua. Estendia os longos braços como que para empurrar um muro invisível. Os lobos deixaram de uivar e recuaram lentamente. Nesse momento a Lua foi coberta por uma nuvem e de novo ficamos envoltos em profunda escuridão.» E acrescenta mais à frente: «E contudo, pondo-me à escuta, ouvi lá muito longe, no vale, mais lobos uivar. Os olhos do conde brilhavam e exclamou: ‘Escutai-os, são as criaturinhas da noite, e que música eles fazem!...’»
Homem-morcego, homem-lobo, o morto-vivo tem imensos poderes para se transformar; mas o mais estranho é aquele que lhe permite desmaterializar-se quase totalmente, tomando a forma etérea de um raio de lua ou de um simples pirilampo.
Este fenômeno é dos mais complexos. Trata-se de um ponto de energia minúsculo, de uma intensidade incrível. Um pouco como certos pontos negros do tamanho de uma cabeça de alfinete e que aspiram tudo o que os rodeia nos espaços intersiderais.
E o poder final do vampiro. Assim, o vampiro não possui apenas um corpo mas vários. É pois impossível dar-lhe um único nome, ou atribuir-lhe um só aspecto.
Quem é o príncipe Drácula? Um fantasma de forma imprecisa, toda feita dessa «coisa» a que se chama vampiro, à falta de outros nomes que se lhe dêem. Mais que um corpo ou uma forma, ele é um conjunto de energias vivas, larvar, que uma vontade forte prolonga além morte.
Hoje em dia, dificilmente se aceita que um ser possa existir para além do túmulo, possuindo o poder de se transformar em lobo, em morcego ou em pirilampo. A superstição tomou conta desta terrífica criatura. Um Barba-Azul da noite, um monstro bebedor de sangue. Seja onde for, ele encarna para nós o medo... o medo da morte.
Nas tradições do mundo da magia, afirma-se que o poder do vampiro depende unicamente da sua vontade. Mas essa vontade nada tem a ver com as vontades humanas, pois ela não habita um corpo vivo. A superstição diz que os vampiros apenas saem em noites de Lua cheia, como se a sua atividade noturna dependesse essencialmente daquele astro.
Tratamos de voltar atrás, às antigas civilizações, para compreender bem a importância do seu culto dedicado à deusa Istar que, como Hécate, representa o aspecto mágico da Lua.
Sobre uma tábua da Caldeia, conservada no Museu Britânico, pode ver-se o traçado da epopéia mitológica. Relata-se aí a descida de Istar ao país dos mortos.
Chegada às portas da morada infernal, chama e pede sob ameaça: «Abre a tua porta senão saltarei a vedação, galgarei os montantes e farei que os mortos se ergam para devorar os vivos, e que venham a exercer sobre estes o seu poder.»
Para os mágicos de Nivive, Istar reina entre os morto-vivos, isto é, sobre os que venceram a morte. Tal como a todos os que a veneravam como toda poderosa, assegurava viverem sempre na morte.
Depressa as crenças populares afirmaram que os defuntos podiam vencer o túmulo se tivessem desejo de sangue de um vivo. Do mesmo modo que, na mitologia grega, Eurípides representa Aquiles numa armadura dourada, em pé sobre o túmulo, bebendo sangue de uma virgem sacrificada em sua glória.
Mais lamentáveis parecem ser esse tipo de vampiros, mulheres feiticeiras da Roma antiga que tinham a faculdade de se transformar em aves de rapina para vir saborear sangue humano. «Vistas durante a noite atravessando os céus, e sem que nem as portas ou fechaduras as detivessem, iam estrangular as crianças e devorar-lhes o fígado.»
Os partidários do culto da magia mergulham no fascínio do sangue porque se sentem vulneráveis, ameaçados como todas as formas de vida terrestre. O batismo do sangue para o vampiro é ao mesmo tempo blasfêmia e perversão. Deve agir como armadura e protegê-lo contra a morte.
E como uma imitação do batismo de luz, do sacramento do Espírito Santo, ligação indissolúvel entre Deus e o homem.
«Revesti-vos de Cristo», clama S. Paulo aos Romanos.
A imagem do túmulo ilumina-se de outra forma. A luz é vertical, cai como um projetor potente e elimina todas as obscuridades.
Segundo os evangelistas, Cristo visitou os mortos: «Também aos mortos foi anunciada a Boa Nova, a fim de que, julgados segundo os homens na carne, eles vivam segundo Deus no espírito.»
O vampiro nega a ressurreição. Ela pretende pegar a morte com o seu próprio punho, com a ajuda do seu querer pretende escavar a sua cova no inferno e aí fazer a sua morada, sem o auxilio de Deus.
Os crimes do barão Brecy
Os sortilégios do vampirismo não morrem tão facilmente como se possa pensar.
Ainda há poucos anos um inquérito fez deslocar certos inspetores às ruínas do castelo de Brecy de Sologne. Os velhos habitantes da aldeia de Brecy falava de um barão vampiro, rondando as ruínas e apavorando toda a região. Não muito longe do castelo, encontrou-se o corpo de Guillemette H. com o ventre e as pernas dilaceradas como se tivesse sido desfeita com algo de metal, com o peito e os rins dilacerados, com as costelas e vértebras partidas. A rapariga tinha sido violada mas debatera-se ferozmente, como o provava as unhas partidas e a roupa rasgada.
Os inquiridores descobriram uma profunda marca, sobre o ombro, marca essa feita sem dúvida com a fivela de um cinturão do assassino. «Um motivo de me tal em relevo com um diâmetro de cinco centímetros que podia representar vagamente uma cabeça de animal... talvez de um leão», cita um cronista.
No chão, à volta do cadáver, nem um só vestígio do assassino.
A família acompanhou os agentes encarregues desta investigação até ao posto da polícia, onde estes consultaram enorme documentação com o fito de encontrarem improváveis culpados, maníacos ou desequilibrados sexuais.
O inquérito pouco mais além poderia ir. Um homicida misterioso viola uma rapariguita, mutila-a e desaparece sem deixar vestígios.
Mas para os velhos da aldeia, os que de tudo se lembram, o assassino não andaria por muito longe, embora talvez já fora do alcance da justiça. Duas mulheres encorajando-se mutuamente, resolveram sugerir desde o começo do inquérito que se desse uma olhadela pelo prado, perto do sítio do crime, acrescentando com ares misteriosos que esse caminho cruzava o lugar do «senhor punido».
Nesse lugar – conta Claude Seignolles –, há séculos mataram e enterraram os despojos do senhor da região, homem belicoso, combatente em várias guerras, patrão severo, exigente e impiedoso para com a sua gente, como se eles fossem seus inimigos e que, forçados, acabaram por sê-lo. Um corajoso e hábil lenhador, encontrando-o adormecido junto a uma árvore num dia de imenso calor, abriu-lhe a cabeça com forte machadada. Mas, mesmo morto, o rancor continuava a viver nele, a ponto de sair do túmulo uma vez em cada século, indo procurar vingança durante algumas horas por aquelas paragens. Isto, se se der crédito aos antigos aldeões...
O cabo da polícia dirigiu-se ao local indicado pelas mulheres como sendo o lendário sítio do túmulo. O terreno aparentava um abaixamento que o polícia observou, e esse abatimento de solo, com ervas e em forma de retângulo, podia bem ser uma cova mortuária. Logo o cabo da polícia trouxe um dos investigadores ao local da descoberta. Mas uma vez chegados lá encontraram o chão completamente raso, o que fez espantar de tal forma o polícia que perguntava a si próprio se estaria com a cabeça a andar à volta devido à violência do crime e a começar a ver coisas onde não existiam na verdade. Rondando o solo, enterrava o pé, atraído pela curiosidade, somada a certa excitação que o relato das duas aldeãs lhe teria provocado. Fez sentir uma ressonância, justamente no sítio onde imaginara o túmulo.
Foram imediatamente requisitados dois cantoneiros para escavarem. O terreno estava macio, a pá e picareta não tardaram a fazer o trabalho e depressa apanharam um osso comprido que os homens, com as mãos, acabaram de desenterrar. Tratava-se de uma tíbia! Um osso que, de tão sólido, eles não se arriscaram a quebrá-lo! Depois seguiram-se a rótula e o fêmur de uma perna forte, em perfeito estado de conservação. Um crime descobrindo outro.
Desprendemos os membros inferiores de um longo esqueleto antigo... depois, subindo um pouco, uma espessa bacia, as mãos grandes e abertas com falanges de tamanho impressionante. Um dos utensílios com que se escavava bateu numa coisa de metal que com cuidado raspamos. Era o plastrão de uma armadura de bronze, que tinha ao meio, em relevo, o brasão da pessoa a quem pertencera, um leão apoiado nas patas traseiras. A rapariga violada fora atingida por um objeto metálico com o mesmo motivo do brasão do barão de Brecy, adepto de ciências demoníacas, excomungado pela Igreja sete séculos depois...
Como se vê, muitos destes senhores «vampiros» partidários da necromancia tinham sido excomungados pela Igreja. A excomunhão era a prova de que eles pertenciam às legiões da noite. Eram temidos e nenhuma terra abençoada aceitaria os seus despojos ainda que, em Paris, se tivesse construído especialmente um cemitério para todos os rejeitados pela Igreja, fossem eles adeptos do diabo, fervorosos praticantes da magia negra. No começo do século passado, este cemitério abandonado servia de templo fúnebre a todos os mágicos de magia negra, patrícios do vampirismo ou de outros deuses infernais. Uma verdadeira aldeia vampiresca na Rua de Flandres, em plena Paris.
René Schwablé, aderente também às ciências ocultas, descreve este diabólico cemitério em Chez Satanaz, obra que surgiu em 1913.
«Encontrareis no 44 da Rua de Flandres uma grande e velha construção com dois portões largos, abertos para um pátio enorme, circundado por cavalariças e abrigos. Entrai através de um corredor úmido, escuro, até encontrar uma porta pesada cuja fechadura ferrugenta precisa de ser arrombada a murro. Por detrás desta velha porta existe uma pequena floresta virgem, entre dois muros altos com fendas. Encontram-se aí mais ou menos vinte e cinco túmulos dos quais dois ou três estão em bom estado ainda, mas os outros completamente escavacados. Cruel, a vegetação levantou as campas, impeliu as lages, partindo as pedras, revolveu os caixões. No tempo de Luís XIV eram aí enterrados os hereges, uma vez que não podiam ser inumados em necrópoles públicas.
Os locais de vampirismo e de práticas negras passam despercebidos ao profano. Contudo, basta empurrar uma porta oscilante, saltar um muro de alguma ruína, descobrir um cemitério abandonado, para que a lenda desperte do seu mundo de cinzas, vista os seus fatos de terror e desça às ruas do nosso bom velho século XX.
Os lugares malditos são a morada das perseguições fantásticas. A pedra reteve em si todos os dramas, todos os terrores. A vegetação está doente, a pedra está carcomida pela lepra e uma impressão de mal-estar salta aos olhos como veneno.
O exorcismo romano pode santificar a pedra e dissipar os miasmas da noite. Depende tudo espiritual do exorcista. Pode ficar extenuado do seu combate, naufragar na sua loucura. Para afrontar maldições é necessário a virtude e a correção luminosa dos ascetas plenos de Espírito.
Nenhum exorcista orou sobre as ruínas do castelo de Brecy. Aí se mantém portanto toda a sua carga maléfica.
Os monges do Oriente opunham o sangue do mártir ao sangue dos sacrificados da magia. Então o panorama maldito transfigurava-se como aconteceu com o frade Thalélaios, monge sírio, que, retirando-se para o deserto, combateu todas as noites homens e mulheres vampiros que interceptavam as suas orações e reclamavam-lhe o sangue. Pela força da sua oração tudo se transfigurava: é por isso que esta terra que estava noutros tempos submissa à impiedade e aos demônios, renunciou ao seu erro ancestral para enfim acolher o clarão da luz divina. Servindo-se das suas mãos ele fez cair por terra os templos dos demônios e edificou um santuário aos vitoriosos mártires opondo aos falsos deuses os corpos divinos. Sangue por sangue. Os ascetas sabem que a carne é insensível, lenta e pesada, como a sepultura. É o Espírito que ilumina que transfigura e rouba à morte.
Os principais locais do vampirismo
O mais conhecido dos locais da velha religião da noite é, sem qualquer espécie de dúvida, o castelo de Drácula – pelo menos o que dele resta – em Curtea de Arges, nas montanhas da Transilvânia. Mas há também outros sítios onde a lenda se fixou profundamente. O pequeno porto de Cruden Bay, na Escócia, é um desse estranhos sítios. Foi aí, no país de Stevenson, que Bram Stoker então pertencente à sociedade secreta Golden Dawn concebeu a sua obra prima: Drácula.
A descrição feita por F. Riviere aquando da viagem de regresso de Cruden Bay, acerca do cenário alucinatório, permitirá a Bram Stoker invocar o «príncipe dos vampiros».
«Eu tinha reservado um quarto na famosa estalagem de Kilmarnock Arms, estalagem essa onde Stoker, depois de uma refeição farta, recebera a visita do anjo do mal naquela cama em que as dores de estômago o tinham obrigado a dar voltas sobre voltas no decorrer de um pesadelo...
»Devo dizer que o edifício ao Sol poente deixaria bem impressionado qualquer apreciador de filmes diabólicos da Hammer! Estava lá tudo: a fachada estilo Tudor, a hera trepadora, o pórtico carregado de ornamentos, os vitrais dissimulando por certo inquiridores olhares, a pesada porta de pregos cravados e um gato preto cuja silhueta sinistra se perfilava sol um céu encarniçado.»[7]
O castelo de Krasznahorka é outro local de terror nas montanhas da Hungria do Norte, onde repousariam os despojos de uma mulher vampiro morta há mais de duzentos anos.
Há mais de cinco séculos fora propriedade da antiga família Bebek. Istvan Bebek, antepassado da família, era um simples pastor na altura das invasões dos tártaros, pelo ano de 1241. Um dia, quando apascentava o seu rebanho na montanha de Som, encontrou certa quantidade de ouro escondido e uma pedra com um aspecto singular.
Esteve para deitar tudo fora, mas logo se lembrou de que os filhos gostavam de brincar com coisas brilhantes. Depois, em casa, apercebeu-se de que a estranha pedra brilhava de noite. Conta-se que tornou a ficar com ela dando em troca, aos filhos, qualquer brinquedo preferido, e que se servia da pedra para iluminar a casa, como se se de uma tocha se tratasse.
Um mercador que por lá passou, vendo a candeia do pastor, ofereceu por ela cem dinares. Bebek não tinha falta de dinheiro mas, como gostaria de comprar uma vaca que lhe desse bom leite, esteve quase a fechar o negócio.
Os filhos tanto se lastimaram e choraram com a idéia de se privarem da pedra mágica que Bebek rejeitou o negócio, dizendo que resolvera não a vender.
A notícia depressa se espalhou. Os proprietários dos arredores não deixavam de massacrá-lo por causa da pedra. Temendo ser morto por causa desse tesouro, resolveu levá-lo ao rei Bela IV e oferecer-lhe. Coincidiu com o momento em que os Tártaros se retiravam, deixando atrás de si tudo destruído a ferro e fogo. Para o rei, este presente chegou na hora certa, era o maior diamante que este já vira, pelo que perguntou a Bebek o que queria que ele lhe desse. Prometei-me unicamente sete currais construídos nas minhas terras, Majestade.
O rei acedeu de bom grado. Bebek partiu, e com o ouro que guardara construiu sete castelos. E assim que apareceram os castelos de Torna, Esnek, Solyomk, Pelsóc, Szádvár e Krasznahorka.
Os descendentes do pastor foram considerados aristocratas e fizeram de Krasznahorka residência d família... até 1575, quando Péter Andrássy ocupou o lugar de governador do castelo.
Sua mulher, a jovem Zsófia Serédy, era uma apaixonada das práticas negras. A biblioteca do castelo transbordava de obras de ocultismo e nas noites de Inverno Krasznahorka recebia artistas e praticantes de magia, da Hungria, os que se lembravam ainda as exacções de Vlad Drakul – o príncipe Drácula – de Hermann e de Bárbara de Cillei. Os sortilégios romenos reavivavam à luz de tochas, nas salas do andar inferior do castelo. Zsófia Sérédy morreu de embolia durante o assalto ao castelo, feito pelo seu próprio filho Jancsi, para esmagar, terá ele dito: «esse feudo de magia negra».
Ainda hoje, numa das divisões do castelo de Krasznahorka, se encontra, deitada num caixão de vidro uma bonita senhora! E ela Zsófia Sérédy. Eis como passados duzentos anos ela dorme, sem que em pó se tenha tornado! O cadáver é exibido como fenômeno pois que se mantém como tendo morri do no dia anterior.
De tempos a tempos o vestido fica feito em pó. Voltam a vesti-la com outro fato preto. Ela, porém, continua imperecível.
É também curioso assinalar que o seu antebraço direito, imobilizado ao morrer, mantém-se um pouco elevado e com um dos dedos hirto como fazendo qualquer sinal.
Porquê esse sinal? Que quereria ela dizer nos seus últimos momentos de vida? Conta-se por lá toda a espécie de coisas, mas esta é de todas a mais espantosa... Os praticantes da velha magia turca reconhecem-se através deste sinal, ao qual Von Sebottendorf, grão-mestre da Sociedade Thule e amigo de Bram Stoker, já aludira.
O índex esticado corresponderia a fogo. Von Sebottendorf afirma que «conjugado o A –que faz nascer o elemento líquido – com I que se forma com o indicador estendido, permitirá ao discípulo ultrapassar os limites da morte, em plena consciência. Alcançar pois a Imortalidade!»[8]
TERCEIRA PARTE
Vlad-Dracul
Senhor da Valáquia
Na Transilvânia, a uma altitude vertiginosa acima de uma paisagem selvagem, toda florestas e ribeiros, eleva-se uma cidadela inacessível onde, enclausurado voluntariamente, vivia noutros tempos um príncipe...
Este solitário não tinha senão um único fim: transpor os limites da morte e entrar vivo na eternidade. Drácula, eis o nome deste amante das ciências malditas. Nosferatu, isto é: o «não morto», aquele que não morre nunca.
Como ele, outros senhores poderosos transformaram os seus castelos romenos em ninhos de águias, ficando discípulos do Anjo Negro, Lúcifer. Esses sim, praticam o verdadeiro vampirismo, alquimia do sangue e da morte.
Nosferatu pode escrever-se só no plural porque não há só um nosferatu. Se Drácula, o príncipe Vlad Drakul, cuja história romena recorda, é considerado como o soberano dos adeptos da noite, ele não é único «não morto». Outros pertenceram ou ainda pertencem a essa cadeia onde os segredos do sangue se transmitem do mestre para o discípulo.
Os vampiristas conhecem o ritual de chamamento à vida, o ritual do despertar que se pode encontrar no Livre Sacré d’ Abramelin le Mage. Foi a partir deste manuscrito[9] que formou a primeira cadeia dos «não mortos» que se espalharia pela Europa inteira.
No âmbito da magia e terror tal como se passa com os elfos[10], os papões, as fadas, o lobisomem etc., nós vimos o vampiro aparecer com rara constância nas lendas e tradições populares. No entanto, a lenda não é somente uma «crença popular», uma vaga superstição de que nos lembramos. Ela pertence sempre a uma realidade esquecida, temerosa.
A história revela-nos que o conde Drácula não era conde mas príncipe e que reinou em Valáquia, província dos Cárpatos,de 1456 a 1462. É também conhecido pelo nome de Vlad Tepes, o que quer dizer vlad o empalador. O historiador Florescu descreve-o como especialista em empalamento e tortura, homem sanguinário e destemido guerreiro.
«Ele empregava», escreve ele, «estacas e lanças que precisavam ser afiadas, para que as perfurações não provocassem imediata agonia e antes intensificassem o sofrimento dado o tipo de chaga alargada que daí resultava.»
A Romênia – especialmente a Transilvânia de século XV tem a marca do vampiro. Tudo, desde a busca mágica do príncipe Drácula, a criação da Ordem do Dragão por Segismundo I da Hungria que se tornou ponta de lança da cavalaria das trevas, uma ordem vampírica a que toda a aristocracia da Transilvânia aderiu, os Drácula, os Garai, Cillei e outros, tudo ali existe.
A crueldade de vlad ficou na lenda.
«Ele foi vlad Tepes, o tirano. Nada o satisfazia tanto como ver os seus inimigos no estertor e sofrer quando empalados. Conta-se que no meio dos moribundos suspensos de estacas ele se fazia servir das mais lautas refeições, para mostrar que o espetáculo cruel e a forma de matar os inimigos não lhe roubava o apetite.» (F. R. Dumas.)
Em Târgoviste ele empalou, na Páscoa de 1459, quinhentos Boyards. A 24 de Agosto de 1460, os anais da Romênia precisam que ele matou – após torturas e suplícios – 30 000 prisioneiros em Anilas:
«Assassinou alguns fazendo passar por cima deles os rodados de carros. A outros, despojando-os das suas roupagens, arrancou a pele até às entranhas. Assou alguns sobre brasas, atravessados por espetos e a tantos perfurava-lhes as nádegas com estacas que saíam pela boca... e parra que nada fosse esquecido, quanto a atrocidades possíveis, espetou, a uma mãe, os dois seios colocando-lhe por cima o filho ainda bebê.»
Enfim, matou de muitas e diversas maneiras, torturando com a ajuda de utensílios, fazendo atrocidades que só o mais tirano dos tiranos poderia conceber.
O papa Pio li ficou horrorizado. O bispo d’ Erlau, em 1475, secundou a acusação de que o número de vítimas do príncipe Drácula se elevava a mais de cem mil pessoas.
Sendo ele cristão ortodoxo, a sua excomunhão tê-lo-ia atirado para os infernos! E não foi citado que, após ter conquistado Kroonstadt, fez dos seus habitantes prisioneiros levando-os para a capela de S. Jacques, para a Igreja de S. Bartolomeu e para o mosteiro de Holtznetya onde, depois de roubar os paramentos e os cálices, deitou fogo aos edifícios com as pessoas lá dentro, matando todos os que ali se encontravam.[11]
Com a aparição de um tal Eleazar, chegado do Egito, detentor do famoso Manuscrito de Abremelin, é que tudo afinal começou...
Uma seita do Egito revelou-lhe os mistérios da morte e as técnicas que permitiriam obter-se um aspecto de imortalidade. Chegado a Veneza, transmitiu para a escrita tudo o que ouvira da boca de Abramelin, no Egito. É em Veneza que põe em prática a sua ciência sobre os mortos... de um modo eficaz e terrífico. Alguns jovens mais ousados agruparam-se à sua volta e formaram o primeiro elo desta cadeia européia. Este saber vinha das práticas de Osíris, o deus dos mortos-vivos do Egito, aquele que foi desmembrado antes de se tomar imortal.
Nas primeiras páginas do manuscrito maldito, Abramelin revela através da escrita de Eleazar: «Imagina a que ponto a nossa seita se tornou maldita que ultrapassa o gênero humano... de tal modo que em ti , não se manterá para além de uns setenta e dois anos... e outra virá continuar-lhe caminho.»
O discípulo de Abremelin deixou Veneza, onde ficou um grande número de partidários que se instalou na ilha de Lagune, ilha essa onde noutros tempos se orara ao dragão das águas, o que prova que nada se escolhe por acaso...
Eleazar chegou à Hungria, onde se tornou conselheiro, em matéria de ocultismo, do imperador Segismundo, iniciando-o nas práticas de Abremelin.
O imperador da Hungria acabava assim de descobrir uma resposta para as suas angústias, um remédio para o seu temor à morte. Aconselhado por Eleazar fundou a Ordem do Dragão na mitologia do sangue.
Vlad o Diabo, príncipe da Valáquia e pai de Drácula, pertencera a esta Ordem, onde foi iniciado nos mistérios do sangue segundo os ritos de Abremelin.
A seguir à morte de Vlad, Drácula subiu ao trono de Valáquia. Segismundo da Hungria doou-lhe as terras, feudos de Almas e Fagaras situados na outra vertente dos Cárpatos e é sob a bandeira do Dragão que ele combate os turcos, depois de prestar vassalagem ao grão-mestre da Ordem.
Na Ordem do Dragão vamos encontrar os grandes adeptos vampiros da Romênia, homens de armas e ao mesmo tempo praticantes da velha magia. As famílias Garai e Cillei, são conhecidas pela sua crueldade e despotismo, autênticas «eminências pardas» do imperador Segismundo. Hermann de Cillei foi o exemplo vivo desta aristocracia infernal!
As relações pervertidas que mantinha com a irmã bárbara tornaram-se do domínio público mas Hermann de Cillei gozava com o escândalo para o qual ele e sua irmã viviam.
Foi nessa altura que Segismundo I tentou a grande experiência do livro de Abramelin. Ele estava apaixonado por bárbara de Cillei que, ainda nova, cansada pelos seus excessos debochados, acabava de se envenenar.[12]
bárbara de Cillei fora por muito tempo das cúpulas da ordem. Segismundo serviu-se do ritual próprio para ressuscitar esta jovem, segundo nos conta Eleazar através dos seus documentos.
O castelo de Drácula
Bárbara foi enterrada em Gráz, na alta Síria. Algum tempo depois, os seus despojos foram transportados para o castelo de Varazdin. Foi ela a inspiradora da obra prima da literatura vampiresca do século XIX: Carmila, de Shéridan Le Fanu.
Bárbara Cillei, a quem chamavam «a Messalina alemã», perturbou durante muito tempo a sua região, a acreditar-se nas crônicas da época.
O seu duplo ter-se-ia manifestado em 1936, em Varazdin, na atual Jugoslávia, e causou a morte a seis pessoas muito novas da aldeia. Na Transilvânia, a natureza oferece à vista profusão desordenada de montanhas que protegem estreitos vales, tornando assim o acesso muito difícil. Os cumes desnudados ergem-se sobre as aldeias, como que para lembrar as glórias antigas na época em que os enormes penedos suportavam verdadeiras fortalezas de muralhas sombrias, de maciças torres.
Foi aí que, fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei escreveu a sua Pratique de Vampirisme, deixando às gerações futuras um verdadeiro manual de técnica (o segredo da «horrível transformação» transmitia-se entre as famílias da nobreza da Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da Ordem do Dragão).
«O vosso corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei crescer esta outra realidade em vós, tornai-vos confiante, deixai-vos possuir pelo Real. Sede aquele que nunca dorme, não sucumbe aos automatismos, nunca se esquece de si próprio nem um segundo, um ser que vence o coma e a morte. O vosso corpo prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da decomposição? O vosso espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir de então o corpo não soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de força anímica, que fazem o corpo tornar-se em pó. E o mesmo que tirar as pedras de cunha a uma casa.
»Em primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral, torná-lo autônomo, forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano astral, ensiná-lo a viver sem depender do corpo e dos seus hábitos. Logo que o duplo se souber governar perfeitamente, pode então a consciência abandonar o corpo e vir habitar o duplo. Depois da morte continuará a errar. Deveis pois alimentá-lo com a vitalidade que o vosso sangue contém.»
Pode imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres do seu castelo, fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de vampirismo, já entre este mundo e o outro. Ouve vozes confusas vindas do passado, vê cenas terríveis de que as montanhas foram testemunhas... O vale está povoado por seres fantásticos, sombras que deslizam ao cair da noite... olhos que espreitam entre a escuridão...
A maldição plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia. Bárbara de Cillei morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se do alto da torre do castelo, em 1462. Drácula voltou a casar-se – sem a bênção da igreja – e vive então na fortaleza de Sibiu. O filho, Mihnea, é tão mau como o pai. Alcunharam-no de Mihnea, o Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas, cortes de orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para fugir à morte.
O príncipe Drácula – vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa emboscada perto de Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado subrepticiamente no mosteiro de Snagov sob uma laje sem inscrição. Quando em 1931 foi aberta a sepultura constatou-se que os seus despojos tinham desaparecido».
Que é que se passou? pergunta Ribadeau-Dumas: «Os monges do mosteiro de Snagov, na floresta de VIasie, no meio de um grande lago, como existe um em Bucareste, mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os turcos vitoriosos. Depois de afundado nunca mais se encontrou o caixão. Conta-se que no momento em que o mergulharam na água, teria surgido uma tempestade violenta, deitando árvores abaixo, rebentando os diques do lago, incendiando o mosteiro que desabou em seguida. Aos camponeses pareceu-lhes ouvir durante muito tempo tocar os sinos da igreja, igualmente arrasada nesta onda de destruição. Aquele lago ficou amaldiçoado!
»No século XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave abateu aquando de um tremor de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora nesta ilha, pelo repouso da alma do príncipe Drácula.»
Para se chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso transpor o vale de Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha», onde ainda existem ruínas de uma fortaleza militar. Estas ruínas levantam-se sobre a margem direita de uma ribeira, no alto de uma enorme falésia perpendicular à estrada. Encontramo-nos nas nascentes do Arges, por cima das quais brilha a neve dos montes Fagaras.
As aldeias são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros e menos sociáveis e hospitaleiros que os de outras províncias da romênia. A uns trinta quilômetros a jusante encontra-se a aldeia de Arefu onde lá em cima se ergue o ninho de águia de Drácula.
Numerosas lendas relatam a construção do castelo do terror. As crônicas da época dizem que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na sala grande do seu palácio de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete suntuoso. Durante a festa, colocara à volta da sala os seus arqueiros que, a uma ordem sua, aprisionariam os convidados. E, como um rebanho, fez seguir os seus convidados até Arefu, onde chegaram dois longos dias depois.
Numerosas mulheres e crianças, diz a crônica, não agüentando a caminhada, pereceram a meio. Os que sobreviveram, logo se agarraram ao trabalho sob as ordens do príncipe Drácula. E assim construíram a fortaleza de Curtes de Arges, que seria mais tarde o ninho de águia do príncipe.
«A história não esclarece quanto tempo levou esta construção. Escravizados, acabaram por ver suas roupas cair, continuando a trabalhar nus; prosseguiram até tombar mortos pela fome, fadiga, frio e esgotamento...»[13]
Foi assim com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor, o sangue, a carne dos cadáveres tivessem servido de argamassa a esses pedregulhos.
O caminho que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar, antes de se atingir algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas fortalezas de Valáquia. A vista é vertiginosa, distinguindo-se a mancha vermelha das aldeias espalhadas pelos contrafortes alpinos. Lá longe, para norte, luzem os picos de neve dos montes Fagaras.
No pátio do castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma abóbada, toda coberta de vegetação. Muito perto, vê-se a parte de cima de um poço, cheio de pedras, como se as muralhas do antigo castelo tivessem sido aspiradas pelo abismo, obstruindo para sempre a entrada do mundo subterrâneo.
Ao lado do poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma passagem secreta, de que muitos relatos falam, com acesso a uma gruta que os camponeses de Arefu chamam Privnit (A cave), situada na margem de uma torrente. Passados alguns metros de escuridão surge um montão de pedras que barram o subterrâneo.
Os camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo maldito mas hesitam em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker assombraria para sempre aqueles lugares.
Para Radu Florescu – o histonador romeno –. «Além da águia e do morcego, as ruínas são frequentadas pelas raposas que procuram os ratos e alguma ovelha ou carneiro que, extraviados do rebanho, caíram num buraco e, prisioneiros no matagal, ali venham a morrer.
»O regougar que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando respondem aos uivos, resulta num concerto noturno que não se ouve sem um calafrio. De vez em quando também um urso ou um lince descem os montes Fagaras até aí; mas os visitantes verdadeiramente perigosos são os lobos. Se Bram Stoker escoltasse a parelha de Drácula com as matilhas uivantes para os lados de Borgo, aqui, no alto vale de Argens, as pessoas seriam com certeza atacadas, pois a desolação de Inverno torna esses animais raivosos. Compreende-se assim que pernoitar no castelo de Drácula seja considerado um desafio à morte e mesmo os mais ousados raramente o fazem».[14]
Diz-se que em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo, só se aventuram levando consigo um velho missal que, afirmam eles, afasta «os espíritos do mal que rondam pelas alturas».
O vale dos imortais
No seu romance Drácula, Bram Stoker garante ter encontrado, em 1880, um professor Arminius, da universidade de Bucareste que lhe entregou um dossier «respeitante a V1ad V, filho de V1ad, o Diabo» atestando que depois da morte brutal, da sua inumação na ilha de Snagov, seguido do famoso cataclismo que arrasou a ilha, Drácula reapareceu como «vampiro».
«Pedi ao meu amigo que pusesse em ordem o seu dossier. Todas as fontes de informação levam a pensar que Drácula foi um voïvode[15] que ganhou o seu apelido ao combater os turcos no grande rio, sobre a fronteira da terra turca. Sendo assim, não se trata de um homem vulgar, porque no tempo dele e nos séculos seguintes foi considerado o mais inteligente, o mais ardiloso e valente entre todos os que existiam para além das florestas (Transilvânia), Levou para o túmulo esse poderoso cérebro e um caráter de ferro que ‘utiliza agora contra nós’. Os Drácula, diz-nos Arminius, foram uma grande e nobre raça, ainda que certos descendentes seus (segundo os contemporâneos) tivessem pacto com o diabo. Aprenderam o segredo de Satanás no Scholmance, entre montanhas, sobre o lago Hermanstadt, onde o demônio se reclama, por direito, o décimo erudito.
»No manuscrito encontram-se palavras como estrgoica (feiticeira), Ordog (Satanás), polok (inferno), e ainda se diz neste momento que Drácula, era wampir».[16]
Nos contrafortes dos Cárpatos, nos vales da Transilvânia, as aldeias fazem a época histórica dos Drácula. De longe em longe destinguem-se granjas de madeira, para onde o camponês conduz o seu atrelado. O caminho é escarpado, todo exposto ao sol ao longo das encostas íngremes que levam a cumes solitários. Umas vezes aparece uma cabana de caçadores, um cal vário... meio engolido pela vegetação. Outras vezes surge alguma ruína imponente coroando a colina, os muros de uma antiga fortaleza colocada de sentinela à entrada de uma garganta profunda, ao fundo da qual brilham como um espelho as águas de uma ribeira.
E fácil compreender por que este território inacessível foi noutros tempos a pátria dos Dácios, «o vale dos imortais», que os antigos gregos veneraram.
Num livro misterioso, chamado L’ lcosameron[17] Giacomo Casanova – gentil-homem veneziano, libertino, filósofo e mágico – conta-nos de um povo que vivia no subsolo da Transilvânia, os Mégamicres, bebendo sangue para se tornarem imortais:
«Que belo alimento era o leite dos Mégamicres!... Pensamos que nada de fabuloso nos ensinara a mitologia, que estávamos no verdadeiro domicílio dos imortais e que o leite sugado por nós representava o néctar, a ambrósia[18], que iria sem dúvida dar-nos a imortalidade de que todos deviam desfrutar... Esta refeição durou uma hora e penso que teríamos ainda continuado não fora verificarmos com pavor algumas gotas que caíram dos seus mamilos para o nosso peito. Pela cor percebemos que era sangue.
»Intermináveis corredores ligam o mundo subterrâneo dos Mégamicres à região do lago Zirchnitz, na Transilvânia, que Casanova descreve como um ‘reino de grutas e de trevas’.»
Quais são os deuses venerados pelos Mégamicres, em Icosameron? Lendo a descrição que Giacomo Casanova nos faz, pensamos nos vampiros que povoam a tradição de Europa central:
«...Os deuses dos Mégamicres são répteis. Têm a cabeça muito parecida com a nossa, mas sem cabelo. Nada é tão doce e sedutor como o seu olhar, quando se fixa. De dentes são brancos e bicudos, mas nunca se vêem por eles terem sempre os beiços fechados. A voz é apenas um horrível silvo que faz ranger os dentes e gelar o coração. O povo dos Mégamicres dedicam-lhe 1m culto religioso.[19]
»A vida e a morte de Casanova continuam misteriosas. Foi preso em Veneza, pela Inquisição, acusado de magia e fechado nos esgotos do Palácio ducal, donde conseguiu fugir e correr a Europa. Manuzzi – espião dos inquiridores de Veneza, conseguiu apoderar-se de livros e documentos manuscritos em sua casa, tais como as Clavicules de Salomon, as obras de d’Agripa, e o Livre d’Abramelin le mage (publicado em Veneza).
No seu L’ Icosameron, Casanova revela que os Mégamicres são os inimigos do envelhecimento, e que nunca envelhecem:
«O sono profundo», escreve ele, «uma tão perigosa languidez, que é visível que nos faz envelhecer e acelera o ritmo das nossas vidas...»
Sabe-se que Drácula foi enterrado na ilha de Snagov, à entrada da igreja do mosteiro, e procedeu-se as várias buscas em vão. O túmulo está vazio, acontecendo o mesmo com o de Giacomo Casanova, enterrado no parque do castelo de Dux, na Boêmia, sob uma pedra tumular rodeada por um gradeamento. Depois foi transladado para poucos metros de distância, perto da entrada da pequena igreja de Santo Eustáquio, na margem de um pequeno lago...
Hoje não existem nem as lages sepulcrais nem gradeamento! Que coincidência tão estranha até à morte... Drácula e Casanova!... Coincidências ou conjugações de forças secretas para lá da nossa compreensão?... Os imortais bebedores de sangue de Giacomo Casanova viveram em tempos longínquos na Transilvânia, perto do lago Zirchnitz, numa região de «grutas e trevas».
A Transilvânia foi a pátria dos dácios muito antes da era cristã. Os gregos acreditavam que este enclave de montanhas era o «Vale dos imortais».
A antiga terra dos dácios era pagã. «Aí existiam, governados pela misteriosa deusa Mielliki, as forças dos bosques, enquanto a oeste a montanha de Nadas tinha o vento como único habitante. Havia um deus único, mas nos Cárpatos supersticiosos havia sobretudo o diabo Ordog, servido por feiticeiras que, por sua vez, tinham ao seu serviço cães e gatos pretos. E tudo vinha dos elementos da natureza e de suas fadas... No meio das árvores sagradas, de carvalhos, de nogueiras fecundas, celebravam-se secretamente os cultos do Sol e da Lua, da aurora e do cavalo preto da noite.»[20]
Testemunhas da Grécia antiga recordam ter visto legiões de dácios em pé de guerra, armados de escudos, trazendo a efígie do dragão nas armas de guerra.
Para os raros viajantes da Antiguidade, este povo selvagem corresponderia aos Hiperboreanos da mitologia, os homens-deuses que venceram a morte e reinaram na ilha de Thulé (Os filósofos gregos e pessoas que em viagem citam a Dácia hiperboreana).
Os dácios consideravam-se imortais. Tinham – acreditavam eles – o dom de se transformar em lobo ou em morcego, de voar, de dialogar com os deuses no alto das montanhas. Os lugares escolhidos para os rituais eram sobre os picos rochosos, no interior de grutas inacessíveis. E sobre estes cumes que os grandes senhores – Drácula, Garal, Cillei – construíam seus ninhos de águias.
A suprema autoridade religiosa dos dácios, aquele que detinha os segredos da vida e da morte, viveu, ma das florestas da Transilvânia, no cimo de uma montanha agreste na qual construíram um templo. Supõe-se hoje que tivesse sido o monte Cugu, que se eleva a três mil metros de altitude nos confins de Banat e da Transilvânia.
Para os «padres» dácios, a divindade suprema chama-se Zalmonix. E ela que preside à iniciação.
Entre Zalmonix e os sacerdotes de Transilvânia existem outros seres que servem de intermediários entre os homens e a divindade suprema. Estes seres seriam eventualmente os vampiros ou mortos-vivos, isto é, aqueles que venceram a morte e que têm o poder de voltar ao meio dos homens, segundo a sua vontade.
O príncipe romeno Bursan-Ghica, exilado em Paris desde os anos 50, recorda ainda as velhas lendas da Transilvânia:
«Para comunicar com Zalmonix, os dácios têm de recorrer a mensageiros. Escolhem por isso os irmãos mais avançados em magia, aqueles que ultrapassaram o limiar da iniciação. Estes eleitos são os sacrificados. Os dácios trespassam-nos com as pontas das suas lanças. Mas sete dias depois, os corpos trespassados saem do túmulo e juntam-se aos outros. Tornaram-se imortais e farão de elo entre os Dácios e Zalmonix. Naturalmente que as lanças foram substituídas por agudas estacas que se plantavam na terra. Compreendem agora a realidade secreta da estaca dentro do vampirismo, e a razão por que o Drácula foi alcunhado de vlad, o empalador?...
Para certos ocultistas, fanáticos do vampirismo, o príncipe Drácula não seria um guerreiro sanguinário ao empalar as suas vítimas para seu prazer... antes cumpria as práticas da magia antiga e dos Dácios, seus antepassados, os imortais da Transilvânia.
Em 1462, Vlad Drakul foi preso na Hungria, na torre de Salomão, palácio de Visegrad. Segundo Kurytsint um diplomata russo, Drácula mantinha excelentes relações com os guardas. Fez-lhes um pedido que não deixa de ser curioso! Desejava que lhe arranjassem ratazanas, ratinhos, pássaros e outros animais pequenos.
Que razões secretas o levariam a tal? Kurytsint que estudou Drácula narra que ele empalava estes animalejos e os dispunha em redondo ou em cepa, espetados em raminhos afiados sobre o chão da sua cela. Os cronistas referem as distrações atrozes, de um sadismo monstruoso. As obras recentes acerca do personagem histórico Vlad Drakul (entre eles o livro do historiador Romeno Florescu) são bem o testemunho da opinião do autor quanto a tratar-se de perversões psicopatológicas. Apenas os ocultistas e os adeptos do vampirismo viram nelas o ressurgimento da antiga magia Dácia oferenda oculta único vínculo possível com Zalmonix deus dos vivos e dos mortos nas antigas crenças da Transilvânia.
No país dos bebedores de sangue
A família dos Dráculas estende as suas horríveis ramificações por toda a Europa. Irmãos, primos e primas, formam todos uma espécie de teia de aranha venenosa cuja mordedura matará; é como que uma poluição oculta que se infiltra por todo o lado e se espalha como um veneno. Decadência e obsessão reinam em pleno nas almas pervertidas dos Drácula como o prova a história da condessa Bathory. Esta familiar do príncipe Vlad Drakul, senhor da Valáquia, domina a nobreza austro-húngara pela sua crueldade e luxúria. Ela vivia, «sem luz e sem cruz» – diz-nos Valentina Penrose.
«O seu espírito era desleal e supersticioso. Erzsébet Bathory experimentou várias crises de possessão. Nunca podia prever-se quando tal aconteceria. De repente surgiam violentas dores na cabeça e nos olhos. As criadas traziam feixes de plantas frescas e narcotizantes, enquanto sobre o lume se preparavam drogas soporíferas onde se iriam embeber esponjas para se passarem a seguir pelas narinas da paciente.» (Penrose).
Um dia a condessa, irritada, bateu a uma das serviçais. Logo o sangue jorrou e caiu sobre o seu braço. Tudo se precipita para fazer desaparecer o sangue, mas entretanto ele coalhara. Quando por fim se conseguiu limpar a mancha, a condessa contemplou a mão, surpreendida. «No sítio onde o sangue estagnara por alguns minutos, ela viu que a carne tinha um brilho translúcido, como o de uma vela iluminada por outra vela.»
Estamos na fortaleza dos Bathory, sobre a fronteira austro-hungara, no fim do século XV. Um mundo fechado, feito de solidão, neve e altas muralhas.
Nesta região secreta, desenvolvem-se as mais surpreendentes mitologias, mas se se tentar aprofundar um pouco mais para além do mito a realidade é por vezes bem mais aterradora que a própria lenda em si.
Na Hungria, o vampirismo é um título de nobreza como outro qualquer, com a única diferença que doseia o horror e a veneração de uma forma que cada pessoa sente a magia do sangue ainda que a aristocracia construísse os seus castelos no inferno.
Para o mundo de hoje, o vampiro húngaro veste uma camisa de peitilho arrendado, uma capa de cetim negro com dupla face vermelha, à moda dos poetas românticos. Mas quando o coração já não responde a paixões humanas e as mulheres o deixam insensível, a única beldade que lhe diz algo é a do sangue, e vive na angústia da estaca aguçada que trespassará o seu peito. Mas no cinema o vampiro é um modo de exorcizar a verdade, de esconder o verdadeiro rosto dos Drácula, que nada tem de comum com o fantasma da ópera...
No século XV, os vampiros não existem para manter o comércio de imagens de Epinal, mas para a crueldade e perversão que matem ou endoideçam.
Como se viu, a atribuição do nome de Drácula ao arquétipo do vampirismo juntam-se à idéia base de a serpente ou de o dragão (Drakul, Drak = dragão) guardarem o segredo do sangue. O brasão dos Bathory tem a enfeitá-lo o motivo de um fantástico dragão.
Nas campanhas húngaras, amedrontado, o homem reconhece as virtudes do sangue. Não é mais nem menos que essa «água de rejuvenescimento» que os poetas tanto cantaram... mas existe o medo, a maldição, a infelicidade para quem tente violar os segredos do sangue eterno, pois que como revela o Levítico: A alma da carne está no sangue.
Desde muito cedo que Erzsébet Bathory contactou com «o leite venenoso dos sonhos». As lendas que embalaram a sua infância foram povoadas de homens e mulheres vampiros à procura da bebida encarnada que imortaliza.
Casada desde os 15 anos, a sua residência é no castelo de Csejthe, a nordeste da Hungria. O marido, valoroso guerreiro, é alcunhado de «herói negro», combatente valoroso, freqüentemente em guerra com turcos e habsbourgos.
Com 20 anos, idade em que normalmente se freqüentam bailes e recepções na aristocracia húngara, a prima do príncipe Drácula vive numa quase total reclusão. Amantiza-se com o intendente Thorbes, que a inicia em feitiçaria e que, tendo-a casado com Satanás, lhe transmite os ritos secretos da seita de «Ave negra» – sociedade secreta à qual ele pertence – tais como este:
«Agarrai uma galinha negra, e batei-lhe com uma bengala branca até ela morrer. Recolhei o sangue com que tocareis o vosso inimigo, que perecerá de esgotamento ou acidente. Se não for possível tocar-lhe diretamente, colocai um pouco do sangue sobre as suas roupagens.»
A Ordem da Ave Negra mantém estreitas e subterrâneas relações com a Ordem do Dragão de Segismundo da Hungria. Erzsébet participava nas reuniões de magia com Thorbes, com a sua ama, as duas criadas e o mordomo Johannès Ujvary.
Logo que enviuvou, dispensou a companhia de sua sogra e dos subordinados do marido, para se entrega tranqüilamente aos ritos mágicos ensinados por Thorbes.
Uma certa manhã, quando uma das criadas a penteava e acidentalmente lhe arrepelou um pouco os cabelos, logo a esbofeteou. Fê-lo com tal violência que a pobre da rapariga começou a sangrar do nariz. Algumas gotas caíram então numa das mãos da condessa. Afastando as serviçais mandou chamar duas almas danadas, Thorbes e Ujvary, e informou-os em tom excitado:
«O sítio onde o sangue desta mulher me atingiu deixou a minha pele firme, voltou a ter um aspecto de juventude.» E foi desta forma que a condessa Bathory por um simples acaso, reconheceu quanto o sangue era eficaz. A angústia do envelhecer, o aparecimento das rugas, o perder da juventude e beleza como que encontrava de repente uma paragem, um remédio, porque o sangue poderia enfim conservá-la nova e bonita. Neste seu delírio ela já admitia que banhos de sangue poderiam resultar na flexibilidade do corpo e no não envelhecimento. Então, durante dez anos, Erzsébet Bathory ordenou que fossem degoladas uma centena de raparigas camponesas, com a cumplicidade de terceiros, mandadas sob diversos pretextos para Csejthe.
Em Novembro de 1610, uma das vítimas conseguiu fugir antes de ser condenada à morte. O rei Mathias II, conhecedor do caso, encarregou o conde Thurzo de investigar as estranhas práticas da condessa. A 30 de Dezembro de 1610 o conde forçou a vedação do castelo de Csejthe. Na sala grande da torre de mensagem, descobriu horrorizado um cadáver em cujo corpo não havia gota de sangue, vasos cheios de sangue ainda não coagulado, e um moribundo barbaramente torturado. Submetido a interrogatório, o mordomo Ujvary confessou ter participado em trinta e sete assassinatos rituais. Uma tesoura, manejada por Erzsébet Bathory, substituía o punhal sacrifical. Os servos desta estranha missa do sangue recolhiam-no para depois prepararem os banhos de juventude de Erzébeth cuja aparência jovem, comentavam os juízes, «não podia ser senão de origem diabólica».
A condessa confessou arrogante e friamente os seus crimes. Os dois necromantes foram condenados à morte. Arrancaram-lhe as unhas, cortaram-lhes a língua, espetaram-lhe os olhos e por fim queimaram-nos em fogo lento.
Erzsébet foi condenada a confessar a sua culpa e a ser decapitada. A sentença foi comutada, tendo em vista a sua origem e posição, para prisão perpétua «a pão e água». Veio a morrer em 1614, passados anos, encerrada entre as paredes de uma das salas do seu castelo.
Esta triste história desenrolou-se há muito tempo numa região onde reinava a superstição e o terror. Aos sacerdotes ortodoxos foi bastante difícil desenraizar as antigas prátIcas, o culto do sangue, os pactos das possessões diabólicas. Embora os tempos tivessem mudado as coisas, a verdade é que o fascínio mórbido do sangue perturba sempre os cérebros fracos. Em 1941, o professor Léonard Wolf, da Universidade de São Francisco publicou com o título Dream of Dracula tudo o que se lhe oferecia sobre os casos de vampirismo recente, declarando: «[...] existem na Califórnia seitas que praticam a magia do sangue para evocar os mortos e obter os poderes da noite. Assim o provam as práticas de uma seita de Monterey, que utiliza a carcaça de uma moto Sobre a qual se matou William Tingley, o líder do grupo. O novo guru, completamente vestido de couro negro, o tronco coberto de símbolos diabólicos, explica assim o ritual mágico da seita:
«No metal há ainda vestígios de sangue e alguns restos de carne de certas partes do corpo. Este sofrimento magnetizou o metal. Temos portanto, através dele, acesso às fontes energéticas do infinito. Só o utilizamos para o bem e esperamos que, com o tempo, outros possam vir a aproveitá-lo. O tempo não conta para nós. Não fazemos publicidade esperando que, convencidos da nossa força, outros homens venham dessedentar-se na mesma fonte. Nós poderíamos de resto, se ameaçassem a nossa realidade religiosa, drenar a energia dos homens e não a do cosmos. Se nos recusarem viver entre eles, tornar-nos-emos dependentes de outros...»
Esta declaração é significativa quanto à patologia do vampirismo! Em pleno século XX, ainda se faz sentir o mesmo eco... convencidos da nossa força, nós poderíamos utilizar a energia dos outros homens. O poder sobre os outros, a manipulação psíquica, parecem ser as duas obsessões desta seita da Califórnia.
Mas a obsessão do sangue não é só herança de seitas entregues à magia vermelha. Por exemplo no despertar da Belle Epoque as mulheres novas dirigiam-se aos matadouros para beberem copos de sangue da veia jugular de um bovino, acabado de ser abatido, convencidas de ser esta a bebida que iria dar-lhes um reforço de vitalidade. Ainda e sempre a patológica fascinação do sangue, do seu mistério e do seu poder.
Os ritos de proteção
Certos morcegos da América do Sul atingem um tamanho superior a oitenta centímetros. Precipita-se sobre a vítima e, com o bico sugador fixado na jugular provoca-lhe uma espécie de anestesia que evita a dor. Estes vampiros Spectrum, nome dado pelos naturalistas, fazem autênticas devastações na Argentina, como se prova através desta informação citada por R. Ambelain:
«No decorrer do ano de 1958, perto de vinte e cinco mil cabeças de gado morreram de doença causada pelas sucções dos animais em questão.»
O poder de anestesia de que falam os pesquisadores, assemelha-se ao beijo do vampiro se a vítima n oferecer resistência e se se abandonar à mordedura sem terror.
Os morcegos da América do Sul segregam um líquido especial que adormece a rede nervosa da veia jugular. A pessoa que adormece terá simplesmente a impressão de estar com um sonho estranho, uma sensação de dissolução agradável... enquanto o animal noturno lhe vai sugando o sangue.
O elo mágico entre o morto-vivo e o morcego é referido em todos os documentos religiosos da Idade Média.
A visionária Anne Catherine Emmerich afirmava ter visto Jesus Cristo, descrevendo-O detalhadamente. Confidenciou as visões que tivera ao poeta Clemens Brentano, que as redigiu intitulando-as de Vie de Jésus Crist, d'apres les visions de Anne Catherine Emmerich.
Numa passagem do seu livro, ela descreve Asach, na Palestina, infestada de morcegos-demônios. As pessoas desta terra têm feito caça aos repelentes animais malhados, de asas membranosas com as quais voam céleres. São estes os morcegos-demônios que sugam o sangue às pessoas e ao gado enquanto estes dormem. Vêm de densos pântanos impenetráveis e causam os maiores prejuízos...
Para os videntes cristãos, o vampiro depressa foi considerado inimigo de Deus, uma farsa monstruosa à luz divina, o candelabro tombado de que falam os praticantes de magia negra.
Na iconografia cristã, o pelicano tem uma certa analogia com a figura luminosa de Jesus Cristo, pelo fato de também aquele dar o seu sangue e a vida para proteger e alimentar os filhos. Um poema de Alfredo de Musset, evoca o sacrifício do pelicano, arrancando com o bico as entranhas para assim alimentar a sua ninhada.
No outro ponto oposto, o vampiro aparece como antítese do pelicano porque, para assegurar a sua existência, tira a vida ao homem sugando-lhe o sangue.
O Rei David, no Salmos implora a proteção de Deus contra os vampiros:
Livrai-me do que pratica o mal, salvai-me do homem sanguinário.
Regressam pela tarde, ladrando como cães e percorrem a cidade... (58-3.7)
Os seus lábios são como espadas... Vagueiam à busca de alimento, e se não se
saciam rondam a noite... (58-16)
Tal como se dissipa completamente o fumo, e ao contacto com o fogo se derrete a cera, assim se dissipam o ímpios na presença do Senhor. (67-3)
A oração e a fé surgiam como as mais eficazes proteções contra os seres noctívagos. Homens e mulheres vampiros, outros sugadores de sangue e ladrões de almas.
À noite, durante o ofício das Completas[21] e antes de recolher às celas os frades recitam os seguintes Salmos:
Tu não temerás o terror da noite
Nem a flecha que voa durante o dia
Nem a peste que alastra nas trevas
È que Ele deu ordens aos seus anjos
para te protegerem em todos os caminhos
Tomar-te-ão nas palmas das mãos, não aconteça ferires
nas pedras os teus pés; poderás caminhar por cia de serpentes e víboras.
Calcar aos pés leões e dragões No teu leito, medita, paz e silêncio
Nos mosteiros ortodoxos, enquanto o Santíssimo está alumiado os sugadores de sangue não conseguem entrar porque a luz brilha nas trevas. As luzes votivas têm a mesma função. E como se cada átomo de obscuridade se purificasse pela real presença de Deus.
Os anais do Museu Guimet publicaram um excelente trabalho sobre armas de magia, punhais, espadas, o pentágono estrelado, que serviam, algumas delas, para combater os vampiros da Europa Central.
Na lâmina de uma espada, uma frase grega diz-nos: A mão direita de Cristo te persegue. Esta mão de vingança divina estendia a sua proteção pelos mosteiros, as aldeias, os cemitérios... por todo o lado onde o homem temesse o despertar dos mortos sob a forma de vampiros.
Numa outra lâmina de punhal, encontram-se inscrições cabalísticas em forma de contrações hebraicas: AgIa que não é mais que a contração das quatro iniciais da fórmula Atha Gibor Leolam Adonaï, ou seja, «Cristo é grande na Eternidade».
A contração é uma oração que, comprimida como uma mola, pode a todo o momento aumentar a sua força.
Makaba, gravada sobre uma medalha, traduz o poder de Deus face aos seres da noite. Makaba é a contração do versículo hebraico Mi Komoi'kou Boelim Adonai... isto é: Quem de entre os deuses é semelhante a Ti, Senhor? (Êxodo XV, 11)
Pode encontrar-se nos Anais do Museu Guimet outras espadas cunhadas com a Cruz de Cristo, contendo inscrições latinas: Ego Sund et Genus David, Stella Splendida et Matutina... seguida da fórmula lapidar: Vade Retro Satanás. Em França, no princípio deste século, deitava-se fogo aos morcegos que se deixassem apanhar, apesar da utilidade dos seus serviços como insetívoros. Este exorcismo instintivo e espontâneo é um reflexo de superstição que nada tem a ver com o combate espiritual. E por causa deste medo se mandavam queimar os místicos, os visionários, porque eles não falavam a língua deste mundo, opondo-se ao entenebrecer da sua época.
Para além das superstições, existe o exorcismo real da alma, que não precisa recorrer a espadas mágicas, punhais, ou pentágonos de estrela para combate aos vampiros. Nos mosteiros da Europa Central, a grande proteção residia na oração, no implorar constantemente a Deus, vivo no homem e em todos os mundos tal como a luz do Santíssimo que invade a obscuridade sem que fique espaço para trevas.
Nos mosteiros do Monte Athos, a presença dos vampiros não é uma simples superstição. Terrível é aí o poder do diabo, porque o de Deus também o é. À noite, as celas dos monges são palco das mais duras lutas, agitação, alucinações, despertar violento, suores, pesadelos... gritos rasgam o silêncio, como o rir dos chacais risos que sacodem as abóbadas do velho mosteiro. Os monges escutam... benzem-se e rezam.
Jean Bies conta a sua viagem ao Monte Athos, à Montanha Sagrada, que é também local de pelejas espirituais: «Os demônios dançam no ar. Diz-se que são mais que os mosquitos em noite de Verão. Aqueles que os sentem à sua volta, começam logo a rezar. Nada mais estranho que o fechar cuidadosamente as pesadas portas, à noite, para evitar a entrada dos demônios! Toda a gente terá de entrar até ao pôr do Sol, I senão não se lhe abrirá a porta.[22]
O mais poderoso dos exorcismos é ainda a Oração do Coração aprendida segundo os ensinamentos dos Hésychastes ortodoxos que será repetir o nome de Jesus constantemente, ao ritmo da respiração, acompanhada de um profundo sentimento de adoração, de presença.
Nos Atos dos Apóstolos se declara: «Todo aquele que invocar o nome do Senhor está salvo!» e S. Paulo, «Orai sempre...»
S. João Clímaco, um dos pais da Ortodoxia, propõe 7: a repetição do nome de Jesus como arma suprema contra os demônios noturnos: «Fulmina o teu inimigo com o nome de Jesus. Não existe nos céus nem na terra arma tão poderosa. Shiva e Krishn, repetindo os mantras, os nomes sagrados, afastam as tentações da noite e purificam o sono.»
QUARTA PARTE
Intacto e puro na morte
Ritos, fumaradas, incensos, aspersões, manipulações mágicas, sempre acabam por fazer os seus adeptos mesmo em pleno século XX como o provam numerosos casos de possessão, feitiçaria e outras sombrias histórias que alimentam a vida quotidiana.
Os vampiros ainda mantêm as missas vermelhas, em tecnicolor, nos ecrãs de cinema, e vêem-se atores como o romeno Bella Lugose identificar-se com o conde Drácula e desequilibrar-se na extravagância.
Lugosi foi o primeiro grande ator do cinema americano a encarnar Drácula no ecrã.[23]
Pode dizer-se que o veneno do vampirismo correu pelas suas veias, inundou o cérebro até lhe criar a terrível obsessão. Ele já não era Bella Lugosi, mas Drácula, e para reforçar esta suspeita saiba-se que se vestia de capa preta forrada a encarnado, comprou um caixão acolchoado no qual se deitava e dormia todas as noites.
Lugosi era também viciado em heroína, para acalmar angústias e evitar os terríveis pesadelos que tinha.
Morreu louco, com o cérebro minado pela demência. Christopher Lee, que igualmente encarnou o conde Drácula num trabalho para a sociedade Hammer Films, confidenciou que o papel põe à prova, aflige, e que é necessário um grande equilíbrio interior para não acontecer usurpação da pessoa que representa, pelo conde Drácula.
Já não estamos nos mosteiros de Athos, protegidos por cortinas de incenso ou barreiras de orações, mas na vida do dia a dia, vulneráveis no meio de uma esquizofrênica sociedade, despojados de crença, presos às nossas obsessões, arpoados pelas nossas angústias, tendo como única fuga o sonho ou o tubo de soporíferos.
Os feiticeiros das antigas civilizações sabiam que o sangue e a luxúria se associam para manipular a alma humana.
O sexo e a morte, os impulsos devoradores, a necessidade de morder, de devorar, no amor, são apenas fantasias, mas para um cérebro fraco poderá acontecer que esses monstros tomem forma e comecem realmente a viver dentro dele.
Jean Boullet na revista Medicina, Arte e Saber, de Abril de 1960, cita o exemplo de um porto-riquenho de 16 anos que, procurado pelos seus crimes, quando a polícia de Nova Iorque o prendeu, disse: «Eu sou o conde Drácula, diverte-me a idéia da vossa cadeira elétrica porque sou imortal e unicamente vos peço que me considerem o rei dos Vampiros.»
O aspecto do jovem assassino chegou para surpreender os agentes da polícia. Capa preta forrada de cetim encarnado, sapatos com fivela de prata, peitilho rendilhado, anel largo e achatado representando uma caveira, bengala de castão...
A zona de ressonância do conde Drácula espalhou-se para além das montanhas da Transilvânia com a ajuda extremamente ardilosa do cinema e da literatura.
«E tudo isto», escreverá Bram Stoker, «foi feito por ele sozinho, a partir de um túmulo em ruínas num qualquer lugar, numa região esquecida.»[24]
Drácula, o homem vestido de preto. O vampiro veste-se sempre com as cores da noite. O preto é para ele a ausência da cor, a ausência de vida, a impenetrabilidade fascinante para além da qual a morte pode ser vencida.
Certas lendas populares européias falam de um estranho visitante estrangeiro, vestido de preto, cuja aparição traz sempre consigo a morte ou a doença. Muitas vezes, crianças e adolescentes foram surpreendidos de noite, nas cercanias de suas casas. Stiker descreve o rei dos vampiros no seu Drácula. «Diante de mim estava um homem grande e velho, com um grande bigode branco num rosto que parecia acabado de barbear, vestido de preto da cabeça aos pés, sem o mais pequeno sinal de cor onde quer que fosse...
Não estamos já na Europa do século XV, e os feiticeiros da Idade Média estão há muito reduzidos a pó e a cinzas. No entanto as aparições do Homme en Noir continuam. Os fantasmas e as superstições conferem-lhe sempre poderes diabólicos. Aparições reais ou reais poderes?
Ninguém o sabe. Apesar do avanço científico, há ainda regiões do universo e da alma humana que continuam obscuras e impenetráveis.
Uma das mais recentes aparições remonta ao dia 20 de Fevereiro de 1968. Ela teve como testemunha e vítima Rosinha Aguardiente, uma adolescente de 17 anos. Foi a 20 de Fevereiro quando Rosita entrou num autocarro que logo a seu lado se sentou um homem de alta estatura, vertido de preto. «Eu notei», disse ela, «que ele tinha uma cor esverdeada e os olhos ligeira- mente rasgados. Sem saber porquê, senti medo, algo sinistro emanava dele. Desci, desceu atrás de mim. Quando cheguei ao campo senti uma enorme confusão na minha cabeça e perdi o conhecimento de repente. Quando acordei, estava num descampado com o vestido em desalinho. Ao dar os meus primeiros passos, tropecei numa pequena caixa que apanhei e meti no meu saco de mão.» Rosita Aguardiente relatou o caso à polícia, que o definiu como uma tentativa de violação.
Mas dias depois a jovem rapariga levada pela curiosidade provocou que o assunto voltasse de novo à baila, pois abriu a caixa que encontrara quando voltar a si naquele dia...
A caixa era toda ela hieróglifos! Assim que levantou a tampa, uma luz como que elétrica escapou intensa. A rapariga assustou-se e apressou-se a fechar a caixa.
O homem vestido de negro intervinha sob vários aspectos. A 20 de Julho de 1967, o France Soir et L’, Republicain relataram os seguintes casos:
Em Arc-Sous Ciçon, quatro criaturas vestidas de preto e com mais ou menos um metro de altura movendo-se rapidamente, meteram-se num silvado deixando amedrontadas algumas crianças que por ali andavam. Tinham uma cor de pele escura, os olhos enormes e falavam entre si um dialeto estranho e melodioso.
Os cemitérios das grandes cidades são evidentemente locais predestinados ao vampirismo contemporâneo.
Highgate, ao norte de Londres, et le Pére Lachaise em Paris, são hoje teatros de estranhas e fúnebres peças. Assim que cai a noite... levanta-se o pano. As personagens aparecem pelas bermas, tornam-se príncipes das trevas no espaço de uma noite, oficiando sobre os túmulos, evocando as divindades do vampirismo. Já não se trata de vivos que vêm ver os seus mortos. Uns e outros, numa curiosa comunhão, representam os seus papéis e, através de danças macabras bem esquematizadas, o mundo dos vivos e dos mortos interpenetra-se. Surge uma outra dimensão.
Ao nascer da aurora, os mortos recolhem às suas moradas secretas, enquanto os vivos, extenuados e olheirentos, saem do mortuário recinto passando perante os guardas surpreendidos e amedrontados!
Não é raro descobrir em Pere Lachaise o túmulo de um adepto do vampirismo. É muitas vezes à volta este que se agrupam e fazem cerimônias secretas. Citemos, por exemplo, o túmulo de Madame Berte Courrieres, aliás Madame Chantelouve, inspiradora do escritor Huysmans e discípula do satânico Abbé Boulan, bem conhecido dos ocultistas do século passado. A laje do seu túmulo – não longe da de Chopin, álea Denon – está freqüentemente coberta de cadáveres de animais, como pássaros e ratos de que se serviram para misteriosas práticas.
As áleas do Pere-Lachaise parecem-se com as avenidas silenciosas de uma cidade barroca, rodeada de passeios, tendo de um lado e de outro pitorescas fachadas de monumentos funerários. Mas há sítios a que essas áleas retilíneas não chegam; os lugares dissimulados pelas sombras dos sicomôros e das tílias onde as sepulturas tomam um ar de antigos navios encalhados, de fundo cinzento e fendido sob o mistério de todos aqueles arbustos. Nenhuma daquelas áleas nos leva diretamente a tais lugares quase impenetráveis. É necessário errar ao acaso pelos túmulos, descer, subir, escalar por vezes em vão pelo meio de toda aquela vegetação.
O cemitério é uma cidade ciclopeana. Cada mausoléu esconde-se numa sombra. As ruas sucedem-se às ruas, os túmulos aos túmulos, as áleas têm nomes estranhos: caminho do dragão, álea Errazu, avenida Feuillant...
Em certos cemitérios, à noite, todo um mundo de presença... pedaços de ossos fumegam no incenso, libertando um cheiro pavoroso. Na cripta saturada de incenso, os partidários do vampirismo erguem os punhais e os pentáculos:
«Senhor! Tu que desejas o sangue e trazes o medo aos mortais, recebe de novo este sangue que representa vida.» Durante vários segundos o celebrante transpõe milênios, vive com intensidade a sombria lenda, sobre a pedra dum túmulo, em qualquer cripta abandonada. E assim se passa até ao nascer do Sol.
«O nascer do Sol», escreve Ribadeau Dumas[25], «afugenta as más influências da noite. Em certas terras, o galo representa a vigilância guerreira, ele vigia o horizonte, e alerta também!
»Símbolo cristão como a águia e cordeiro, ele anuncia luz e ressurreição. Drácula empalidece quando o ouve, e foge... antes que seja tarde! A noite favorece o vampiro. Ela gera nas suas trevas o sono e a morte.»
Os sortilégios de Neaufles
Gilles de Rais, adepto do diabo, autor de várias centenas de crimes nas caves do seu castelo de Tiffauges não é o único a competir com a figura aterradora de Drácula.
Na França dos primeiros séculos da era cristã desfilaram hordas guerreiras de um príncipe cruel, que as crenças populares depressa transformaram em vampiro.
A história de Viridomar – chefe guerreiro de uma tribo germânica – cruza-se com a epopéia dos templários de Gisors para desembocar na misteriosa torre Heaufles, que domina o cemitério de Nucourt. Este perímetro fúnebre conserva ainda a marca ensangüentada de Viridomar e da sua «rainha branca» cujo fantasma ainda paira – diz-se – pela torre de Neaufles e pelo cemitério de Nucurt.
E partindo de esboços históricos vai crescendo a lenda, no meio de túmulos e violências...
Um grupo de cavaleiros galopa pelo caminho escuro que vai dar a Gisors. À frente vem um homem, cuja presença aterroriza as legiões de César amontoadas na planície de Vaxin, perto de Nucout. «Um autêntico demônio» exclamam os lugar-tenentes do proconsul[26]...Um deus Odin...»
Este personagem infernal galopa de dia e de noite ao lado de Vercingétorix «o Grande Rei das cem batalhas». Seu nome é Virodomar, vem diretamente da Germânia comandando uma horda de guerreiros pertencentes a causa do chefe alvernio[27]. Mas Viridomar não tem o espírito nacional dos Celtas. Ele combate por si próprio, para cumprir no dia a dia esta «liturgia» da guerra à qual se consagrou.
As legiões romanas afirmam ter visto um «demônio sanguinário», um «portador da morte» fazendo-se acompanhar da sua «matilha» diabólica. Têm razão os sobreviventes do massacre quando dizem que o aliado de Vercingétorix, vive a guerra como um ritual sangrento e permanente.
Os druidas satisfazem-se com o benzer das armas dos guerreiros celtas antes do combate. Viridomar acha que o ritual druida não é suficiente vigoroso para se tornar eficaz. Ele não compreende que os deuses gauleses possam proteger o homem que não ofereça sacrifícios que envolvam sangue.
Antes do ataque, ordena que as lâminas sejam encharcadas no sangue das vítimas oferecida aos deuses. Afirma ainda que a energia vital passa assim do corpo mutilado para a lâmina, tornando-a «viva»...
A frente da sua cavalaria, Viridomar faz lembrar as antigas lendas germânicas, sempre recordadas por todos com pavor, como a Caça Selvagem.
Conta-se que uma noite de Inverno um oficial romano que voltava para o acampamento sentiu um exército que se aproximava. Julgando tratar-se de uma carga de cavalaria gaulesa, procurou esconder-se atrás do arvoredo, mas um «homem de enorme estatura, armado de uma moca, obrigou-o a permanecer junto dele. Passaram então soldados de Infantaria carregados de tudo o que haviam pilhado, seguindo-se mais carregamentos de cinqüenta caixões e por fim um grupo de ‘gatos pingados’ aos quais o gigante se juntou; depois também desfilaram a cavalo. Mulheres que, blasfemando, confessavam os seus crimes; um grande exército de cavaleiros vestidos de negro, com insígnias da mesma cor, montados em enormes cavalos, prontos a combater...»
Era um cortejo saído do nada com o estrondo de uma tempestade... Viridomar, à frente da sua horda de cavaleiros, voltava a fazer reviver a «caça infernal» de que todas as lendas falam!
Estamos nas planícies de Vexin. Justamente onde passaram os cavaleiros argonautas para partirem à conquista do Toison d’or[28] situado pela mitologia para lá dos Cárpatos, na Transilvânia. Os camponeses comentam que naqueles campos os rochedos, os menires, os dólmenes, como que sonhando, voltam-se sobre si mesmos durante o solstício de Inverno, e as pedras côncavas são habitadas pelo homem sem cabeça, o Blaiseau l’ Ardent (homem que se foi mantendo nas velhas histórias da antiguidade. «O homem sem cabeça aparece nos cemitérios sobre a forma de fogo-fátuo», dizem os velhos camponeses ao serão, antes de apagar a candeia!
No terrível séqüito do rei Viridomar destaca-se uma ágil e loira mulher do comandante, detentora de segredos, portadora de magia.
As lendas de Vexin falam de uma «rainha branca» que aparecia perto do cemitério de Nucourt, nas ruínas da torre de Neaufles.
No século XV, pelos mesmos sítios, uma outra «rainha branca» tornava-se presente no espírito dos habitantes de Gisor. Para aqueles que tentavam decifrar o mistério, tratava-se de uma mulher fantasma, imortal, errante através dos séculos e entre escoltas de homens e mulheres vampiros.
A Rainha Branca tinha um amante (segundo a história). Surgiu deste amor uma filha que não agüentava a luz do dia. Mantiveram-na recolhida num subterrâneo que ligava Gisors à torre de Neaufles, até ao dia da sua morte. O rei ao tomar conhecimento de tal infortúnio, mandou prender o seu rival na torre do castelo de Gisors, chamada tempo depois a «torre do prisioneiro». Ferido tempos depois ao tentar evadir-se, acabou por morrer nos braços da sua amada que o mandou sepultar no tão famoso subterrâneo (mandado fazer por Viridomar em tempos passados) ao pé da filha, produto dos seus amores.
É neste local que as lendas apontam como existindo um verdadeiro tesouro!
Tal como acontece com Drácula, também Viridomar e a sua dama foram considerados vampiros depois das suas mortes ocorridas nas ruínas da torre de Neaufles.
No século XV a Rainha Branca e o seu cavaleiro e amante vivem a mesma maldição. «Conheço o chão onde dorme a Rainha Branca, pisei-o com os meus próprios pés, escavei com as minhas mãos o negro pó, procurando nos restos da estrela outrora iluminada a recordação de antigos esplendores!», terá dito algures um poeta.
O amante da Rainha Branca, chamava-se Wolfang Polham, e era o homem de confiança de Maria de Bourgonha, filha de Carlos V, e fez parte da ordem militar Tosão de Oiro, instituída em 1429 pelo duque de Borgonha cujo fim era restabelecer os laços desfeitos, após o aparecimento dos templários, entre o Oriente e o Ocidente.
O caminho de Vexin era a pista deixada pelos argonautas quando perseguiam o tosão de ouro e procuravam o «Vale dos imortais» situado na Transilvânia, reino dos príncipes vampiros.
Wolfang Polham instituiu o Carneiro como centro místico da Ordem. O sangrento sacrifício do animal tornou-se rito central do chamado «banquete encarnado».
«No dia em que esta Ordem se instituiu, em Bruges, repartiram pelos convivas um carneiro vivo cujos chifres foram pintados de dourado e todo o resto do corpo de azul.
»Esta ordem, misteriosamente desaparecida, era constituída por vinte e dois capítulos.
»O subterrâneo que serve de sepultura a este cavaleiro, assim como à Rainha Branca, tem além de ligação com o castelo Gisors uma outra com o cemitério de Nucourt.» (D. Réju.)
O tesouro de Neaufles é um acumulado de pedras preciosas e ouro, para alguns produto de pilhagens de Viridomar. Para outros, influenciados pela cabala simbólica, «essas riquezas são mais alegóricas que materiais». Até mesmo o segredo do Fogo que os deuses enterraram no solo de Vexin... Vexin que foi batizada com o nome Pagus Vulcasinus na Idade Média, e que quer dizer «o país do fogo secreto».
Há dois séculos «um habitante de Gisors chamado Francisco teria tentado encontrar o tesouro. Metendo-se pelo subterrâneo, ao contornar uma parede esquinada vislumbrou um clarão encarniçado, que a cada passo dado mais intenso se tornava e mais se assemelhava a um incêndio refletido na umidade das paredes. Por entre um gradeamento levado ao rubro pelo infernal calor que se sentia, ele pôde observar jóias, pérolas, montes de pedras preciosas e diamantes, contidos em enormes cofres encarnados. Mas essas rutilantes riquezas jaziam num permanente braseiro. Uma multidão de diabos cor de púrpura, verdes, viscosos, armados de lanças e tridentes de um metal reluzente, eram os carrancudos guardas destes incandescentes tesouros...», escreve Jean Jacques Dubos em A lenda de Gisors.
De manhã, os camponeses de Neaufles deram com um corpo estendido num silvado, perto das ruínas da Torre. Aproximaram-se. O homem apresentava uma palidez extrema. Não tinha uma gota de sangue e apresentava ferimentos estranhos como que provocados por garfos extremamente aquecidos, digamos que «levados ao branco»... Um caso de vampirismo, segundo a opinião da população local.
A poucos passos da torre de NeaufIes surge o cemitério de Nucourt que está ligado àquela através de um corredor subterrâneo. Os túmulos típicos de aldeia, pesados, de alinhamento monótono, nada de secreto sugerem. O que inspira terror está noutro sítio... justamente na falsa tranqüilidade que vos convidará a entrar.
Ao meio do cemitério, destaca-se a maciça silhueta de uma capela. Na parte de trás surgem três túmulos diferentes dos demais, em pedra escura. Eles guardam os restos mortais dos grandes senhores de Neaufies – que aliás já foram referidos nas páginas de La France Secrète[29], «o que prova não serem desconhecidos por todos». Outros episódios inexplicáveis se desenrolam à volta da pequena Vexin, inundada de mistério. Por exemplo este, um tanto arrepiante e que acontece em Nucourt.
Quem visitar o cemitério local, se se aproximar da capela aí construída descobrirá surpreendido que existem várias sepulturas abertas e sem caixão. Mais admirado ficará ao verificar que todas elas têm a marca de uma cruz que faz lembrar a dos Templário...
Com efeito, as três pedras tumulares estão fendidas a meio, como se o machado de um terrível deus tivesse agredido o granito.
Através da abertura, vislumbra-se no fundo da sepultura restos de plumas de animais sacrificados Reza a lenda que os espectros de Viridomar e da sua dama encarnaram na Rainha Branca e no seu cavaleiro Wolfang Polham, freqüentando depois a torre de Neaufles e o cemitério de Nucourt.
A caça selvagem – que tanto horrorizava os viajantes da Idade Média – rompe pelas aldeias. Ela surge à hora em que o sono desce sobre as choupanas, tal como uma enorme pálpebra, e paralisa totalmente a natureza.
O homem imobiliza-se diante do mudo ecrã da televisão enquanto nas quintas os cães vão despertando. Eles bem sentem que a morte acompanha sempre a noite...
A loucura e o sangue ainda permanecem na memória dos homens.
Os vampiros de Londres
Highgate, ao norte de Londres, é um dos mais surpreendentes cemitérios da época vitoriana, com túmulos barrocos, colombário, pórticos egípcios, álea a perder de vista, os caixões pousados mesmo no solo dos jazigos subterrâneos. Um cenário digno dos filmes de terror da Hammer, lá no alto de uma das colinas Londres.
Em Highgate, as histórias de «não mortos» e de profanação de sepulturas fazem quase parte da tradição. Um dos profanadores mais conhecidos – amigo de Bram Stoker – é o pintor e poeta Gabriel Rossetti que (sem dúvida profundamente marcado pela morte de sua jovem mulher) acaba por se envolver sem o desejar em sortilégios de Highgate.
Lizzie Rossetti morreu em 1862, após uma overdose de láudano. Foi enterrada num dos jazigos subterâneos de Highgate, mas, por mais estranho que nos pareça, Gabriel Rossetti recusou acreditar na sua morte.
Certas pessoas pensam que Stoker o tivesse influenciado, uma vez que este era um profundo conhecedor da vida noturna em Highgate, como veremos adiante.
Uma noite Rossetti saltou o muro do cemitério, do lado que dá para o lado de Swaine Lane, e arrombou o caixão da sua mulher. Como que dormindo, ali estava havia sete anos, intacta, espantosamente conservada com o parecer daqueles a quem ainda o sangue circula nas veias. Os louros cabelos, iluminados pela tocha de Rossetti, ficaram luminosos a tal ponto que esse corpo parecia ter estado a receber vida através de uma via secreta com acesso ao caixão.
Highgate, a verdadeira cidade-vampiro durante dois séculos! É esta a opinião que hoje tem Sean Manchester, o mágico inglês sempre na pegada dos vampiros. Manchester trabalhou durante os anos 70 para a sociedade funerária inglesa A. E. Bragg, na Mackenzie Road. As investigações que fez, levaram-no à seguinte conclusão: No século XVIlI foi sepultado um «vampiro» em Highgate.
Jean Claude Asfour, que também investiga sobre vampiros de Highgate, na época em que este assunto tomou primeira página dos jornais londrinos, diz-nos: «No século XVIII, um caixão vindo da Turquia e trazendo no seu interior um vampiro teria sido colocado no cemitério de Highgate, desde então tornado o centro do vampirismo na Europa.»
Presentemente, seitas satânicas tentaram já, através dos rituais próprios, restituir à vida o «rei vampiro». Na opinião de outros, este misterioso caixão seria aquele a que se refere Bram Stoker, no seu livro Drácula, que desde então se tornou um romance verdadeiramente real. Contudo, no século XVIII, a censura religiosa não permitia que se falasse impunemente de histórias de vampiros.
Pode ler-se, no Drácula de Bram Stoker, acerca de «O horror de Hampstead: Acabamos de ser informados que outra criança desaparecida ontem à noite só voltou a aparecer esta manhã já um tanto tarde, numa junqueira de Shooter’s Hill, na parte mais isolada da charneca de Hampstead. O miúdo apareceu com as mesmas feridas das primeiras vítimas. Quando descoberto, o seu estado de fraqueza assim como a palidez era enorme. Logo que recuperou os sentidos, explicou ter sido arrastado pela ‘Dama de Sangue’». Bram Stoker, que afirmava ter encontrado vampyrs personnalities em Londres, no decorrer dos anos 1880, conhecia toda esta raça de «não mortos» como aliás fica provado através das suas descrições.
Também, e mais uma vez, não é por acaso que ele faz deslocar as mulheres-vampiro a Hampstead, e que instala o conde Drácula em Carfax, numa velha casa do norte de Londres, muito perto de Hampstead Hill, e coloca o cemitério onde repousa Lucie Westenra, vítima do príncipe dos vampiros, sobre esta mesma colina de Hampstaed. Jonathan Harker – o herói do livro – transporá clandestinamente o muro da cidade dos mortos e trespassará o coração dos adeptos do culto da noite.
Não existe nenhum cemitério em Hampstead. O mais próximo é em Highgate. Por muito estranho que possa parecer, nada mudou desde o século obscuro de Bram Stoker e das práticas mágicas de Golden Dawn.
Entre os muros do cemitério de Highgate habitará um Poder monstruoso que terrificou Stoker e que serviu de ponto de partida para a sua narração terrível. Desde há quase dois séculos que os habitantes da aldeia de Highgate vivem na obsessão do «vampiro» que ronda a parte norte do cemitério, perto do portal de Swaine Lane.
As últimas aparições ter-se-iam dado em Outubro de 1970. Várias pessoas dignas de crédito afirmam ter visto um vulto escuro e cuja altura andaria pelos sete pés (mais ou menos dois metros) pairando por entre túmulos. Uma noite, certa mulher entrou precipitadamente no posto da polícia de Highgate, com os olhos desvairados e muito perturbada.
Contou, titubeando, que se cruzara com a entidade monstruosa, descrevendo o olhar que a fulminou através do gradeamento do cemitério: «Uma forma escura com dois olhos que pareciam queimar.», terá ela dito.
Organizaram-se patrulhas de polícia à luz de projetores. Para a gente da beira-rio, foi «a grande noite de Highgate». Mas o cemitério nada revelou do seu mistério; homens e cães encontraram apenas veredas de emaranhada vegetação, túmulos silenciosos como se fosse um cenário de uma peça trágica, esvaziado repentinamente dos seus atores.
São muitos os testemunhos que atestam a existência de um «vampiro» em Highgate. Continuaram a acontecer de há um século a esta parte, embora com pequenos intervalos de silêncio, o que de certo modo ainda concede mais força ao poder do invisível noturno.
Um outro feiticeiro inglês, David Farrant, presidente da famosa British Psychic and Occult Societh, galgando a norte o muro do cemitério para fazer a invocação do vampiro teve de apresentar-se ao Supremo Tribunal de Londres. Foi algemado e condenado a cinco anos de prisão.
A invocação do vampiro
A maior percentagem de testemunhos sobre a aparição em Highgate surgiram na imprensa inglesa:
Noites houve, quando voltava a casa pelas entradas de Highgate, em que vi três vezes um fantasma atrás do gradeamento de Swaine Lane. A primeira vez foi na noite de Natal, um rosto de cor parda durante o espaço de alguns segundos. A segunda vez aconteceu uma semana depois e foi muito rápido. Na semana passada, a aparição deu-se exatamente atrás das grades, e foi suficientemente demorada para que eu conseguisse observá-la claramente não vendo outra explicação que não seja de caráter sobrenatural.
Highgate and Hampstead Express, 6 de Fevereiro de 1970
Uma noite, há mais ou menos um ano, detectamos uma coisa estranha que parecia deslizar por entre o atalho. Ainda a ouvimos por mais um instante, mas não voltou a aparecer. Ainda bem que havia mais alguém comigo e que provei a mim mesma não ser produto da minha imaginação.
Miss Andrey Connelly
H and H Express, 13 de Fevereiro de 1970
Em Julho do ano passado, ao voltar para casa pelas 10 horas, parei de repente ao ver algo que, sem fazer barulho, se dirigia a mim. Desatei a correr e, quando olhei para trás, já a aparição se fora...
Daniel Osborne
H and H Express, 6 de Março de 1970
Já em 1968, o Evening Standard relatava no dia 1 de Janeiro alguns factos, pelo menos estranhos:
Túmulos violados, caixões descobertos e arrombados, cruzes partidas, parecia ter ali havido à meia-noite uma reunião de feiticeiros, tal era a aparência que de manhã o cemitério de Londres apresentava (Highgate). O conservador, que acumula com o cargo de vigário, declarou-nos: «Nunca vi nada igual. Não é vandalismo grosseiro. Tudo foi feito com imenso cuidado e segundo algum ritual diabólico. Estou em crer que se assistiu aqui a uma cerimônia de magia negra, o que também já não é a primeira vez.»
Um ano antes, duas alunas de liceu, com 17 anos de idade, tinham vivido uma estranha experiência, cujo relato foi feito pelo jornalista J. C. Asfour, que investigou o caso Highgate:
«À noite, ao voltarem para casa, Elisabeth Wojdila e a amiga bárbara desciam pela encosta de Swaine Lane quando, chegadas à entrada norte do cemitério (aquela que vai dar ao Colombarum), viram vários corpos erguer-se dos túmulos. Bastante mais tarde, Elisabeth veio a ter perturbações noturnas e pesadelos. Passados dois anos começou a ter um aspecto anêmico e dizia sentir o gelo do seu quarto e a presença de alguém que a seguia. Contudo tinha medo e não conseguia voltar-se. Tinha crises freqüentes de sonambulismo que a levavam até ao cemitério de Highgate.»
É neste clima de terror, mantido pelos meios de comunicação que se desencadeou a caça ao vampiro, rapidamente levada a cabo pela polícia de Highgate.
Uma noite, em Junho de 1974, David Farrant, a companheira e alguns adeptos, galgaram os altos muros do cemitério a fim de invocarem o «vampiro».
A cerimônia teve lugar no interior de um pentagrama, traçado no chão do jazigo subterrâneo, rodeado de um círculo de proteção. Perto deste, um triângulo para receber o «astral» do vampiro. «É neste triângulo que a entidade, em nome de ‘Asmodée’, devia materializar-se», declarou Farrant, mais tarde, no tribunal da polícia... «Asmodée é um dos oito príncipes invocados no ritual de Abramelin, o mágico.»
Ergueu-se o altar na parte norte do pentagrama: recipientes de água purificada, talismãs, punhais do ritual, velas de cera, óleos purificadores e rolos de papel contendo fórmulas de invocações...
Acabadas as partes preliminares, o ritual começou pelos salmodías ao «sumo sacerdote». Pela meia-noite, deveria acontecer o essencial, isto é, a aparição do monstro!
Estas invocações, segundo Farrant, permitem criar uma via psíquica que possibilita a materialização. Por outro lado, evitam interferências de forças negativas que poderiam retardar a aparição.
Às onze horas e quarenta e cinco, Farrant colheu do peito da «sacerdotisa» algumas gotas de sangue que deitou para o cálice (onde havia água com poderes mágicos) enquanto proferia exortações especiais. Farrant começou a despir a sua companheira e com o sangue desenhou-lhe no corpo secretas marcas: primeiro na boca, depois no peito e em cada um dos orifícios do corpo. No meio do círculo traçado, estenderam-se e praticaram o ato sexual (símbolo das forças mágicas) sem deixar de visualizar a entidade invocada para evitar assim que ele se apoderasse dos seus corpos.
«Nós sentíamos a energia do monstro sobre os nossos corpos», explicava Farrant, «e foi nesse instante que ele nos apareceu.»
Será o vampiro de Highgate produto de um fantasma coletivo sabiamente mantido pelos meios de comunicação social? Se ele teve honra de primeira página durante longo tempo nos jornais ingleses era porque respondia à doentia necessidade desta zona obscura da alma, onde a morte e os desejos sexuais se agitam, fervilham, como demônios e diabos nos sabbats[30] da Idade Média.
O medo da morte provocou sempre no homem o despertar dos seus fantasmas e espectros, dentro de si e à sua volta, ao contrário do que acontece numa religião, que por ser do amor, tudo dissipa e aclara. Signo astrológico do vampirismo, o escorpião curvando-se sobre si próprio e tentando fugir da morte acaba afinal por se entregar a ela...
No outro extremo espiritual, o escorpião sublimado torna-se águia, desenvolvendo-se, espalhando-se, quebrando a sua angústia.
Na sua lúcida e libertadora visão, Teillard de Chardin fala-nos num local de transparência, onde os espectros e os fantasmas se transformam e se transfiguram, e onde o homem, escapando às seduções mórbidas, desprende as garras e ousa enfim libertar-se de si mesmo:
«Serão salvos aqueles que tiverem a audácia de amar os outros mais que a si próprios, transferindo de dentro para fora todo o seu ser tornando-se o outro, isto é, atravessarão a morte para encontrar a vida... o princípio incorruptível do Cosmos está encontrado doravante e expandir-se-á por toda a parte. O mundo estará pleno de Absoluto.»
Este regresso ao espiritual é a resposta às obsessões do vampirismo: transformar as forças da morte em luz, como nas práticas de alquimia quando a matéria maciça e negra se purifica e se transforma em ouro.
«Protegei-nos do mal»
Nos séculos XVI e XVII apareciam nas histórias de vampiros os caçadores de prêmios, que prestavam juramento sobre a Bíblia e localizavam o túmulo do monstro, no cemitério da aldeia, a soldo de moedas de ouro ou de prata. Bastava que uma epidemia devastasse a região e logo se contavam pelos dedos os casos de túmulos suspeitos. Mas os tempos mudaram, e desde o século passado que os caçadores de vampiros procedem liturgicamente, ao combater o que eles chamam «as possessões nefastas».
Invocam outras divindades, utilizam fumigações, estranhos e mágicos exorcismos. Não se trata de padres mandados pela igreja, mas sim de médiuns, de feiticeiros um tanto bizarros que acreditam nos mortos-vivos e afirmam conhecer as técnicas de «desfazer o feitiço» e de destruir o «vampiro». Os praticantes, destes cultos dividem em três os gêneros de feitiços: O feitiço do ódio (ou da morte), o feitiço do amor, e o auto enfeitiçamento.
«Nós», afirmam eles, «servimo-nos do primeiro para combater o vampirismo.»
O ritual processa-se à maneira das cerimônias mágicas antigas, apoiando-se em textos manuscritos, alguns dos quais podemos encontrar nos Arquivos da Biblioteca do Arsenal, em Paris, ou no Museu Britânico de Londres. Altar forrado a branco (por oposição à cor preta), uma longa agulha metálica, uma espada com caracteres (de proteção) gravados, um turíbulo, duas estatuetas de cera envolvidas em seda, representando respectivamente uma mulher e um homem.
«As estatuetas são envoltas em seda que serve para isolar», explica o celebrante...
Elas representam o vampiro fêmea e macho que será preciso destruir.
Um grande círculo traçado no solo como que enclausura as estatuetas. Atuando sobre as duas estatuetas, destruindo-as pelo fogo, destrói-se o duplo astral do vampiro, que acabará por ser destruído também.
À volta do círculo, os oficiantes escreveram os nomes de divindades protetoras, fazendo uma espécie de muralha intransponível: Adonay, Iah, Elohim.
O sumo-sacerdote asperge o centro do círculo com água benta e pronuncia:
«Senhor, através do poder atribuído ao carneiro, dá poder a este círculo, e que ele se torne armadilha mortal, de forma a que todos quantos utilizam os objetos do mal sejam para sempre destruídos. Em nome d’ Adonay, de Iah, Shadaie Elohim, em nome das energias cósmicas, solares, astrais e terrestres faz que o nosso inimigo presente neste círculo não possa sobreviver ao meu ato de morte para além de uma Lua.»
Uma vez pronunciadas estas palavras, o celebrante baixa a mão e pegando na longa agulha espeta-a numa e noutra estatueta, como se estivesse a perfurar um coração que ainda pulsasse. Seguidamente desenhou, com um pedaço de carvão, um círculo à volta dos assistentes, espalhando punhados de pregos de ferro.
Na tradição da Europa central, aqueles que traziam consigo pregos de ferro e um pedaço de carvão consideravam-se eficazmente protegidos contra o vampirismo.
No século XIX, Stanislas de Guaita, o Sâr Péladan e o escritor Joris Karl Huysmans, celebravam rituais idênticos a estes e contra os espíritos a quem chamavam «demoníacos».
Muitas vezes estes vampiros fêmeas e vampiros machos não surgiam senão das angústias e dos cérebros febris dos participantes, e então o celebrante acabava por se envolver numa situação infernal que ele próprio tecera.
Alguns conseguem livrar-se dessa situação através de delírios cosmogônicos, para explicar as origens cósmicas do vampirismo, e mostrar que o mal vem de uma outra região do espaço: «Em tempos idos, um planeta situado entre Marte e Júpiter explodiu!... Esse planeta tinha o nome de ‘Lúcifer’. Os habitantes atingiram a Terra, trazendo consigo todo o tormento do abismo. Estes extraterrestres foram os ‘anjos destronados’, os exilados do planeta ‘Lúcifer’. Colonizaram a Terra, e iniciaram os homens na magia negra, instaurando o crime e a loucura como regras da existência. Foram eles os primeiros vampiros.»
Estas explicações esquizofrênicas nunca atenuaram os terrores e as angústias do mundo da magia. Quando muito – como com muitas teorias fantásticas – reforçam a convicção de que existem seres malfazejos vindos de algures e detentores de sabedoria diabólica. E permanecemos nisto...
Esta fantasmagoria não se trata de uma fantasia com cenário de castelo em ruínas, próprio das grandes obras de romantismo trágico. Perigosa para o ser humano (facilmente sugestionável) ela chega mesmo a ir desenvolver forças que este já não controlará, acabando por lançá-lo num autêntico caos mental.
Os mágicos da Idade Média chamavam a este fenômeno de autodestruição, um «enfeitiçamento».
O licor da imortalidade
Nas neves do Tibete e de Bouthan, nas cavernas do monte Kallasha – onde ainda hoje vivem devotos do deus Shiva – velhos monges-férus da magia negra preparam uma original bebida a que chamam «licor da imortalidade».[31] Estes ascetas fazem horríveis experiências para se tomarem imortais. Eles não vivem à luz, nem no esplendor dos ascetas da Índia; basta vê-los nas aldeias de Cachemira ou em Bouthan.
As caras deles, são autênticas máscaras da morte, «olhos flamejantes», e as vozes são cavernosas, como -que vindas do fundo de um terrífico abismo (dizem-no os guias da montanha). As portas fecham-se à sua passagem. Certos turistas vindos de Kallasha comentam as suas monstruosas técnicas de atuação.
Dizem que em algumas grutas se encontra a cave dos rituais, onde sobressai a meio uma mesa de pedra retangular. O tampo da mesa está cheio de vários e largos orifícios. Para alguns esotéricos, esta mesa mágica é dedicada ao deus da montanha mas não servirá somente para honrar os demônios subterrâneos. Ela é também uma mesa de oferendas e transformação.
Todas as descrições feitas pelos que voltavam das cavernas do Himalaias permitem imaginar a cena: o sumo-sacerdote Bom[32], assim que entra na cave mágica, deixa cair as suas roupas e aparece nu, esquelético. Pega numa colher de forma redonda mas com um cabo muito comprido e mergulha-a num dos tais buracos existentes no tampo. Extrai de lá algo com que esfrega várias partes do corpo, friccionando-se e recitando salmos ao deus dos mortos.
«Esta é a verdadeira bebida da imortalidade», diz ele. «A vitalidade dos homens novos e robustos está dissolvida aqui. Ela seria mortal caso não se tratasse de um iniciado, para o qual se tornará uma fonte de inesgotável energia. Desta forma, o mais graduado suplantará os deuses...»
O feiticeiro leva a colher à boca e engole o líquido. Em certas aldeias do Himalaia conta-se que a mesa é oca. No interior, os Bons colocam homens que eles escolhem para o sacrifício, que, deixando-se morrer de fome começam lentamente a decompor-se. Os cadáveres nunca são removidos dali. De vez em quando, um monge junta àqueles um homem vivo. O líquido resultante das carnes putrefatas será a bebida da imortalidade, o suco da morte, por assim dizer, pois que alguns monges morrem envenenados. Encontram-se os corpos deles ao fundo das grutas, e a superstição local considera-os vampiros, «não mortos», rakshasas.
Os rakshasas são os vampiros da magia indiana. São cruéis e ferozes. Acusam-nos de tudo devorar, queimar e ferver.» Os longos caninos fazem lembrar vampiros...»[33]
A sete mil metros de altitude eleva-se o monte Kallasha onde o gelo forma como que uma cúpula que protege cavernas e templos subterrâneos, onde os eremitas se entregam ao culto dos mortos. Estes adeptos das trevas vêm errar pela noite, à volta do lago Râkshastal, o «lago das forças hostis».
Espalham cinzas por todo o corpo, descoloram os cabelos com cal e vão rezar para os locais de cremação. A maior parte, depois de ter bebido o «licor da imortalidade», não teme o envenenamento. Eles estão ali a cumprir um rito mais velho que a própria humanidade, dedicado ao deus Shiva sob a forma de Rudra, o Uivador.
«A partir da ocasião em que os deuses e titãs[34] criaram o mundo, pela agitação do oceano cósmico saiu o néctar, mas também o veneno. O veneno ficou bloqueado na garganta do deus, que se tornou azul. Por esta razão, chamam a Shiva o deus do pescoço azul ‘Nilakanta’.»
Shiva é Nishichâra – o errante noturno – porque tem a cabeça cortada e pendura no pescoço colares de caveiras. Aqueles que professam estes cultos utilizam cinzas das fogueiras funerárias para construir, para fabricar «um novo corpo», um corpo que seja incorruptível, e entrarem assim vivos no reino dos «não mortos».
Shiva, sob o seu aspecto terrífico (Bhaivara) de uivador (Rudra), dá indicações quanto ao estado do Universo no seu movimento e transformação. Os praticantes da magia negra fizeram dele o deus dos mortos e dos cultos do mal. O homem julga e mede segundo as suas crenças pessoais, os seus medos e o seu tipo de consciência. Justifica as práticas diabólicas a partir de textos sagrados, tal como o de Bhâgavata-Purâna, no qual se diz:
Como um demente, Shiva erra pelos horríveis cemitérios rodeados de fantasmas e espíritos malignos. Nu, com os cabelos em desordem, ri, Chora, cobre-se de cinzas e usa como ínuco ornamento um colar de caveiras de ossadas humanas. Pretende ser um bom agouro, mas é um mau agouro! Louco e adorado por loucos, reina entre os espíritos que habitam as trevas. Que este dito soberano, o último dos deuses, não possa jamais nem uma parte das oferendas advindas dos sacrifícios.
(IV. Capítulos 2 e 7)
Os desvios mágicos da Índia fizeram do «Senhor do Yoga» um mestre dos vampiros e dos «não mortos», sem compreender que a morte – no Shivaísmo – não existe. «Morre-se um milhar de vezes por dia», dizem os ascetas. Este rápido movimento mata e ressuscita, destrói e salva o universo. Rudra o uivador amedronta o homem que tem medo de morrer. No além, ele reina e resplandece em todos os mundos visíveis e invisíveis. «Ele é a Porta de Ouro dos santos mistérios», revelam os seus devotos.
O medalhão-vampiro
de Montague Summers
A crença dos vampiros é construída à custa do medo. O vampiro vive na angústia da estaca que poderá a trespassar-lhe o coração. Teme o nascer do dia e as orações do exorcista, que podem reduzi-lo a cinzas e pôr termo à sua existência de «não morto».
Os aldeões temem o vampiro; munem-se de pentágonos e recitam fórmulas de proteção. O terror é a pedra angular do vampirismo. Sem ela, o edifício ruiria e com ele os seus cortejos de monstros e de superstições. Toda a história do vampirismo é um entrelaçado de orações, súplicas, enfeitiçamentos a contra-enfeitiçamentos, maldições. Um combate o outro, que por sua vez combate o outro, e o mundo dos homens e dos espíritos situa-se numa região crepuscular onde as leis do medo dominam.
O reverendo Auguste Montague Summers nasceu em 1880, época essa em que Bram Stoker referia ter encontrado em Londres vampyrs personnalities. Teria estudado no Trinity College onde se apaixonará pela literatura gótica antes de escrever sobre o vampirismo[35]. A sua paixão pelo vampirismo ocasionou várias descobertas, das quais a mais espantosa foi, sem contestação, um misterioso talismã com a efígie do príncipe Vlad Drakul. Trata-se de uma medalha circular onde caracteres romanos, misturados certamente com dialetos eslavos, estão gravados. Ao centro da medalha pode ver-se a cara de um homem, que lembra o famoso retrato de Drácula existente no castelo de Bran.
Para Montague Summers, que passou a vida a estudar os hábitos dos vampiros, este medalhão, escondido, é uma arma de proteção para o vampyr hunter (caçador de vampiro).
O papel protetor dos medalhões em ferro, espadas, punhais, é muito antigo, mas todos estes objetos mágicos podem servir o vampiro ou aquele que procura destruí-lo...! Tudo depende, explica Montague Summers, da natureza do metal assim como dos caracteres gravados:
«Um vampiro gravado num fragmento de pedra, heliotrópico, transforma-se em pedra de sangue. Ela dará àquele que a trouxer consigo, segundo os ritos próprios, o poder de dominar demônios, íncubos e súcubos[36]. Estará sempre presente nas suas conjuras e evocações.»
Outros livros mágicos de necromancia chamavam a esta «pedra do vampiro» a «pedra da Babilônia». Conta-se que, esfregando-a no suco do «girassol» ou «héliotropo», essa pedra teria o poder de escurecer o Sol, como num eclipse, e fazê-lo também ficar da cor do sangue.
«Bastava fazê-la ferver em cacho dentro de uma caldeira cheia de água mágica. O vapor, adicionado às palavras e caracteres do mundo da magia adensavam suficientemente o ar para velar o Sol e fazê-lo ficar da cor do sangue. Podia-se então distinguir os espectros, manes e vampiros!» (Robert Ambelain. O vampirismo)
Usar um objeto protetor, era costume nas boas famílias da Europa central, que levavam para a sepultura um anel de prata[37] com uma pedra-de-sangue cravada, ou qualquer outro talismã dotado de propriedades misteriosas: para proteger o seu «duplo» nas saídas do túmulo ocorridas durante a noite (como aconteceu com a família Drácula, Cillei, Garai, e também com o imperador Segismundo da Hungria).
Temiam, evidentemente, o aparecimento de caçadores de vampiros. A estaca aguçada e o fogo que podia destruir em poucos segundos o corpo do «não morto».
Protegido assim, o vampiro considerava-se rei da noite, agindo segundo a sua vontade apesar do suceder dos séculos e da evolução material operada no mundo. Diz-se que teria a perpetuidade inacessível ao comum dos mortais, salvo se o homem que o desconhece penetra na zona sagrada do vampiro um pouco como acontece ao inseto que choca, mesmo sem querer, com uma teia de aranha. Uma pequena e subtil vibração basta para que toda essa teia seja sacudida. Ao centro, a aranha encontra-se adormecida mas recebe o aviso da onda de choque...
Em poucos instantes ela atinge a parte mais larga da sua teia. A sua lei é inexorável. E a morte, a morte para o imprudente que foi apanhado dentro do perímetro mágico.
Esta crença explica os curiosos acidentes que tiveram lugar na expedição às ruínas do castelo de Drácula, em Curtea de Arges.
Em 1969, dois cineastas americanos atraídos pela atmosfera sulfurosa das ruínas tentaram filmar as pedras que restavam do Ninho da Águia. Um deles, desequilibrando-se partiu uma anca, seguindo para o hospital de Ambras. O segundo magoou-se passado um mês sobre a expedição. E óbvio que o filme não se pôde realizar.
Proteção oculta do castelo ou muito simplesmente uma coincidência? Os camponeses de Arefu, que vivem muito perto das ruínas, referem-se muitas vezes ao castelo maldito, mas hesitam ir até lá pela razão – dizem – de que Bram Stoker assombra com freqüência esses locais.
A mais antiga das crenças do vampirismo – aquela que horroriza ainda os velhos da Transilvânia – passa-se no mundo dos que, adormecidos, sofrem obsessão, imagens fixas que se tornam presentes nos seus sonhos. O mistério do sonho permanece para lá do espaço e do tempo nesta zona intermédia que nos escapa apesar da evolução do mundo moderno, dos séculos de civilização, das abordagens da psicanálise. Os feiticeiros da Sibéria diziam que o sonho era o meio de que os mortos se serviam para comunicar com os vivos.
As palavras de Abremelin o Mágico
Este manuscrito – disponível na biblioteca do Arsenal de Paris é um documento essencial para aqueles que desejem compreender a doutrina e a prática do vampirismo, às quais se dedicavam algumas das grandes famílias da Europa central.
Segismundo, imperador da Hungria, utilizou as revelações de Abremelin, o mágico para tentar roubar à morte bárbara Cillei. Ele fundou a Ordem do Dragão usufruindo para tal dos conselhos do seu mágico, Eleazar, a quem Abremelin teria confiado os seus segredos. Drácula tornou-se ponta de lança dessa Ordem misteriosa, seguido por outros príncipes romenos como Hermann de Cillei, Minéa Garaï, Erzsébet Bathory que se isolaram nos seus ninhos de águia para perpetuar obscuras alianças com os poderes da noite.
Apresentamos ao leitor uma página inédita do manuscrito de Abremelin o Mágico, um dos textos importantes escritos por Aléazar – este manuscrito pode também ser visto na Biblioteca Marciana de Veneza.
No dia seguinte apresentei-me a Abremelin, que sorrindo me disse: «quero-te sempre assim...» e conduziu-me ao seu apartamento privado onde copiei dois manuscritos. Ele então perguntou-me se na verdade e sem receios eu desejava aprender a Ciência Divina e a Magia Negra. Respondi-lhe que, se empreendera tão longa e fatigante viagem, o motivo fora o de querer saber toda a verdade.
«E eu», disse Abremelin, «forneço-te esta Ciência Sagrada, permitindo que a pratiques respeitando as leis destes dois pequenos livros, sem omitir a mais pequena coisa, por mais inconcebíveis que elas possam parecer-te. Servir-te-ás desta Sagrada Ciência para reencontrar os antigos poderes, e voltar a ser um deus imortal, vencedor da vida e da morte.
»Então as trevas não te vencerão porque tu serás o vencedor, e hás de entrar na cadeia das trevas que habitam a Eternidade. Não ofereças esta ciência senão àqueles cujo olhar pode desafiar a obscuridade sem tremer aqueles cujo coração é tão forte que suportam a força do infinito sem que sobre o fardo se dobrem. Mas quero que saibas que esta verdadeira Ciência não durará em ti nem na tua geração para além de setenta e dois anos e tão pouco se manterá na nossa seita. Outras virão e, retomando o facho, hão de levá-lo cada vez mais longe, através do mundo, em nome do Supremo Senhor detentor da Pedra Sagrada. Que nunca a curiosidade te arraste a saberes os porquês de tudo isto, a não ser que o teu coração seja suficientemente forte para receber a vida infinita nos seus vastíssimos limites. Imagina tu que a nossa maldade fez da nossa seita uma seita insuportável, não só a todo o ser humano como também aos deuses venerados pelos homens.»
Fiz menção de me ajoelhar ao receber os livros mas, repreendendo-me, Abremelin avisou-me de que apenas perante o Senhor deveria fazê-lo. «Estes dois livros estão escrupulosamente escritos, e depois da minha morte poderás lê-los, meu querido Lamech.» Instruído por Abremelin, despedi-me dele e parti pelo caminho de Constantinopla depois de receber a sua bênção. Em Constantinopla surgiu-me uma estranha doença que me esgotou. Foi como se num sonho a alma saísse e fosse substituída por uma luz forte. Retomando as minhas forças, espantado com a minha transformação, com a vitalidade de um jovem e o saber de Abremelin, tomei um barco e parti para Veneza.
Cheguei a esta cidade onde amigos meus me receberam... e foi nesta mesma cidade que invoquei os quatro espíritos superiores, que me entregaram um espírito familiar, a chave e o número que permite prodígios!
Seguidamente na Hungria dei ao imperador Segismundo, príncipe muito clemente, um espírito também familiar da segunda hierarquia satisfazendo assim um seu anterior pedido.
Ele queria dominar toda esta operação, mas foi prevenido de que essa não era a vontade do Senhor, pelo que teve de contentar-se que tudo acontecesse como se se tratasse de uma pessoa simples, e não de um imperador.
Esse espírito facilitou o casamento com uma mulher linda. E foi ainda o mesmo que ajudou a encontrar bárbara de Cillei, ainda mais bonita que a primeira. Mas bárbara de Cillei morreu e foi enterrada no castelo de Vazradin. Confidenciei ao meu imperador que a morte não existe para aquele que possui a Ciência Sagrada de Abremelin. Pediu-me então o imperador para que lhe ressuscitasse a bela e maravilhosa jovem. Assim o fiz, invocando de novo os quatro espíritos já invocados em Veneza, em circunstâncias diferentes e segundo a Ciência Mágica de Abremelin.
Informei o imperador sobre o perfume que deveria fazer parte da cerimônia do despertar do cadáver: uma porção de incenso, uma meia parte de Stoelas do Levante, e uma quarta parte de madeira do bosque de Aloés.
Estes produtos, reduzidos a pó, deveriam ferver numa caçoleta, perto do cadáver. Expliquei em seguida ao imperador que seria necessário invocar os quatro espíritos do décimo terceiro quadrado mágico: Oriens, Paymon, Ariton, Amaymon, porque só eles poderiam conseguir o regresso do morto à vida, tirando-o das trevas que acorrentam corpo e espírito.
No fim do manuscrito de Abremelin, o mágico Eléazar conclui:
A sagrada magia que Deus deu a Moisés, Aarão, David, Salomão e a outros profetas ensina a verdadeira sapiência divina, deixada por Abraão a seu filho Lamech, traduzido do hebraico em Veneza no ano de 1458.
É estranho que se veja este texto tomar as suas raízes na Bíblia, uma vez que servia de manual prático aos adeptos do vampirismo da Europa central. Uma vez mais o culto do vampiro aparece como uma blasfêmia organizada e uma magia anti-Deus, reclamando-se o poder dos profetas com fins puramente materiais.
Este desvio da força espiritual é obsessivo em todos os praticantes de magia negra, que vêem Jesus Cristo como um mágico, capaz de ressuscitar Lázaro, de multiplicar os pães, as riquezas, e de ultrapassar a morte num corpo que fica incorruptível.
Este desafio não pode trazer senão ódio, a desagregação e finalmente um vazio de alma como diz Simeão, o grande místico ortodoxo, nos Capítulos Teológicos.
Cada vez que a inteligência é arrastada pela presunção mergulhando nela, e quando imagino que o que é a si o deve, logo a graça que invisivelmente irradia a alma parte deixando-a vazia.
(Centúria capo 75)
QUINTA PARTE
Os santos e os condenados
Em numerosos casos de vampirismo, a abertura do túmulo revela um cadáver em perfeito estado de conservação «pele fina e flexível, corpo sem alteração».
Este prodígio do após morte não é uma vaga superstição dominada pelo medo aos vampiros. Um corpo enterrado desde há séculos não é mais que um magma informe de pó de terra e de ossos. É a lei da decomposição do corpo do mortal. Uma das grandes leis da natureza: Todas as coisas perecem, voltam à terra, tornando-se pó e cinzas. No entanto, em certos casos o corpo aparece intacto ou quase. Os cientistas explicam este fenômeno como sendo causado pela composição do terreno onde está enterrado o cadáver, as variações de temperatura do sub solo, a ausência de insetos ou de roedores que provocam uma proteção natural, impedindo o seu apodrecimento. Simples hipóteses científicas quando se conhecem outros fenômenos que acontecem na incorruptibilidade de certos cadáveres: um perfume agradável do corpo, suor de sangue, humores do cadáver, luminosidades na parte superior da sepultura, como aconteceu quando Charbel morreu, com a idade de 78 anos, no seu eremitério do Líbano.
Tanto milagre que a natureza química do terreno não pôde explicar! Há toda uma lógica que não pertence a este mundo.
Os santos e santas do cristianismo apresentam muitas vezes um bom estado de conservação quando passaram séculos sobre o dia da sua inumação. Uma vez mais, os não mortos, os nosferatu do vampirismo passam por cima dos milagres do mundo cristão. Os cultos demoníacos imitaram sempre a magia e os prodígios da religião, como por exemplo na missa negra que não é senão uma inversão da missa cristã, um derrubar da liturgia, das orações do culto.
O não morto, intacto no seu túmulo, aparece pois nas superstições como uma espécie de Santo diabólico que, também ele, apresenta os mesmos sintomas de imortalidade, incorruptibilidade, suor de sangue umedecendo todo o corpo, fenômenos luminosos à volta do túmulo.
Mais que por pura imitação, eles, os adeptos do vampirismo foram mais longe e para dar forma aos seus não mortos e sugadores de sangue ter-se-iam servido mesmo dos milagres do mundo cristão.
Para as pessoas ingênuas, os casos de incorruptibilidade não serão exclusivos dos santos, pois que também os adeptos do diabo podem ser alvo de tal milagre, uma vez que Deus não existe sem a ameaça dos infernos que tantas vezes os padres focam e a que chamam «condenação eterna».
Também a religião tem o seu inferno, os seus demônios, os seus padres malditos. Basta que aconteça uma maldição e logo das entranhas da Terra se libertarão espíritos malignos cujas forças em muito ultrapassarão as dos homens. Apareciam assim os vampiros tão reais quanto os santos do paraíso...
Em cada família havia lugar para Deus na Igreja da aldeia, e um outro para o demônio por entre os túmulos do velho cemitério. O Bem e o Mal nunca deixaram de partilhar a alma humana, como a luz e as trevas, o excelente e o vil, o amor e o ódio. O vampirismo nasceu desta oposição.
Terá sido preciso a existência de grandes ascetas do deserto, e figuras espirituais como S. João da Cruz ou Simeão o novo teólogo, para entender que a humildade em Deus salva-nos e Deus é um Deus de Luz, que enche o universo, destrói a morte e o seu cortejo de demônios e não deixa lugar à obscuridade.
O medo fixa-se sempre no espírito do homem, e raros são os que fizeram esta experiência estática da luz. O medo, quando anoitece, tranca as portas. Ele força que se recitem salmos, pedindo auxílio. O coração contraído não deixa entrar a luz e o medo cria então as suas obsessões, os seus fantasmas.
Corpos incorruptíveis
Imediatamente após a morte de S. Francisco Xavier, a 2 de Dezembro de 1552, meteram o seu corpo num caixão cheio de cal viva para que, o mais rapidamente possível, a sua carne fosse consumida e se pudesse assim levar os seus ossos para Goa.
A 17 de Fevereiro de 1553, as autoridades religiosas indianas abriram o caixão com a convicção de aí encontrarem tão somente os restos do Santo. Mas eis que ao retirar a cal que lhe cobria o rosto, este apresentava o aspecto rosado, tendo a frescura de alguém apenas adormecido. O corpo estava completamente intacto, sem qualquer sinal de decomposição.
Para confirmação do estado em que se encontrava o cadáver, foi-lhe retirado um pequeno pedaço de carne acima do joelho, começando imediatamente a sangrar. Transportado por mar, foi enterrado em Malaca, a 22 de Março de 1553.
Mas o miraculoso fenômeno não ficou por aqui e, como que causado por uma força misteriosa, alguns meses depois mantinha o mesmo estado da incorruptibilidade. Transportado para Goa, foi sepultado na igreja de S. Paulo. Em 1612, quando se lhe amputou um dos braços para ser enviado para Roma, o sangue correu vermelho e fluido!
Nos Evangelhos, assim como no Antigo Testamento, o sangue é portador do espírito de Deus. No jardim das Oliveiras, na Noite Divina, Jesus suou sangue como se o Espírito sangrasse e sofresse.
Durante a ceia que precede a hora em que se entregaria, Ele tomou o cálice e dando graças o abençoou e deu aos seus discípulos dizendo: «Tomai e bebei todos, este é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança...»
Na cruz, sangue e água escorreram do lado que fora trespassado pela lança do centurião. E a terra foi inundada pelo seu Espírito.
O caso dos corpos incorruptíveis de santos evoca a presença misteriosa do Espírito sob a forma de suor de sangue jamais coagulado, sempre fluido dentro e fora do corpo. Ele umedece o cadáver, transfigura-o, ilumina-o, conserva-o intacto. Vários fenômenos inexplicáveis envolvem muitas vezes o milagre: aparecimento de luz à volta do túmulo, exalações perfumadas, curas de doentes. O cadáver de um santo resplandece, vibra, envia moléculas de luz. Ele cria como que uma zona sagrada onde, tudo pode acontecer.
Em 1582, Santa Teresa d’ Ávila morre na sua cela do convento de Alba de Tormes. O rosto de Santa Teresa de Jesus, segundo afirmou a duquesa d’Alba, ficou após a morte lindo e resplandecente, dir-se-ia como Sol brilhando. Metido num caixão cheio de cal e tijolos, foi o corpo transportado ao cemitério. Mas no dia seguinte à sua morte, do túmulo de Santa Teresa de Jesus emanava um perfume de tal forma intenso e delicioso que os monges teriam tido a sensação de estarem de novo na presença da sua Madre.
Abriu-se o túmulo a 4 de Julho de 1583. A tampa do caixão estava partida, meia apodrecida e cheia de bolor. Era forte o cheiro a bafio e as vestes encontravam-se putrefatas. O santo corpo, também ele, tinha bolor, mas mantinha a frescura como se tivesse sido enterrado na véspera.
As monjas despiram-na quase totalmente, para a vestirem de novo. Segundo afirmaram, um maravilhoso odor se espalhou pelo convento.
Em Novembro de 1585, três anos passados sobre a sua morte, os médicos de A vila examinaram o corpo, tendo chegado à conclusão de que apenas um milagre, e não uma causa natural, teria permitido que um corpo fechado três anos (sem estar embalsamado) se mantivesse intacto, continuando a exalar o mesmo perfume de sempre.
Fenômenos luminosos
O sangue do cadáver dos santos, passados anos sobre a sua exumação, deverá ser considerado de natureza humana ou sobrenatural?
Os bioquímicos que o analisaram em laboratórios atestam tratar-se de sangue humano, mas esbarram com fato incompreensível: como é que o sangue se mantém, se renova, não coagula?
Esta pergunta atordoa e fica sem resposta. Em certos casos desencadeiam-se sentimentos descontrolados, noutros, porém, é a resposta embebida em amor e em certeza. Inquietação, para outros tantos...
Não há provas irrefutáveis, apenas fenômenos inexplicáveis como que a interpor um véu entre o homem e a natureza secreta do milagre.
Por exemplo, o caso de manifestações luminosas: J. Moschus, depois de ter feito um inquérito entre monges do Oriente[38], testemunha:
«Há sete anos vimos à noite, no cume da montanha, luz que parecia um incêndio. Pensamos que fosse para afugentar certos animais, mas durou tantos dias que acabamos por subir até lá. Não encontramos o mais pequeno sinal, nem algum ponto de luz ou algo queimado na floresta.
» Na noite seguinte, voltamos a ver a mesma claridade, repetindo-se durante todo um trimestre. Decidimo-nos então fazer-nos acompanhar de alguns companheiros e, munidos de armas, voltamos a subir a montanha na direção da tal claridade. Ficamos até de manhã. Vimos então aí uma pequena gruta onde logo entramos, deparando com um anacoreta morto. Vestia um casaco feito de corda e segurava um crucifixo de prata. Perto dele uma folha onde se escrevera: Eu, pobre Jean, morri na quinta indicação.
Fizemos então o cálculo e chegamos à conclusão de que teria morrido havia sete anos. Pois o seu estado de conservação era como se tivesse morrido no dia em que o descobrimos!
Voltamos a encontrar estes fenômenos de luzes noturnas nos pormenores miraculosos que envolveram a morte do padre Charbel Makhlouf, eremita maronita[39], que morreu a 24 de Dezembro de 1898 no Líbano.
Por exemplo: na noite seguinte a ser sepultado e nas quarenta e cinco que se seguiram apareceram sempre sinais luminosos à volta do seu túmulo.
Também o irmão George Emmanuel Abi-Sassine testemunhará junto das autoridades religiosas, no dia 14 de Julho de 1926: «Nós podíamos ver diante de nós a pouca distância, para Sul, uma luz brilhante sobre o túmulo, mas uma luz no gênero da luz elétrica apagando e acendendo. Manteve-se tanto tempo assim que foi possível observá-la bem. A cúpula do mosteiro, e todo o lado oposto ao túmulo, a Oriente, pareciam iluminados pela claridade do dia. Dirigimo-nos ao mosteiro e contamos aos monges o que se passara, sentindo porém que a nossa história não lhes merecia qualquer credibilidade. Voltamos a ver o mesmo espetáculo maravilhoso sempre que em noites de vigília passávamos junto do túmulo, assim como o observaram todos aqueles que nos acompanhavam.»
A 15 de Abril de 1899 abriu-se o túmulo na presença das autoridades eclesiásticas e de dez testemunhas civis. Todos disseram que devido às chuvas o túmulo do irmão Charbel era um imenso lamaçal.
O corpo flutuava na lama, e sob a água que do alto caía em abundância. Apesar de tudo continuava flexível, sem rigidez de membros. De mãos postas sobre o peito segurava um crucifixo. No rosto e nas mãos havia sinais de bolor, que Saba Moussa retirou, reaparecendo aos nossos olhos como que um homem apenas adormecido... sangue encarnado vivo misturado com água escorreu do seu lado...
«O corpo flexível, transpirando sangue, nenhum sinal de corrupção, como que acabado de ser enterrado nesse momento.» (Testemunho do irmão Elie Abi-Ramia.)
Passado um ano sobre a sua morte, declara o professor Teófilo Maroun: «um curandeiro tirou-lhe as vísceras a fim de pôr termo àquela transpiração aquo-sangüínea. Mas foi em vão...»
Em 1900 o corpo do irmão Charbel foi exposto ao Sol durante seis meses no terraço da Igreja esperando-se que secasse. Em vão, novamente, pois que nos sete anos a seguir o cadáver manteve a mesma transpiração.
Sessenta e quatro anos depois da sua morte, isto é, a 7 de Agosto de: 1952, o corpo foi de novo exposto. O irmão Daher escreverá: Vi com os meus próprios olhos esse corpo intacto, umedecido, ele e as vestes sacerdotais, assim como o próprio caixão...
Os corpos incorruptíveis revelam os mistérios do sangue após a morte e a conservação completa do corpo. Poderemos evocar a força fantástica que retém os átomos do cadáver, evita a sua desagregação e o seu regresso ao pó.
Esta força cria uma nascente de sangue, cura os doentes, ilumina o túmulo. E como se o sangue sofresse uma transformação química que o transformasse em luz.
Para os místicos, esta força rodopia, sondando o coração do homem. A sua presença é universal.
Tu não tens onde te esconder, tu, cuja glória tudo invade...
Salmos de David
É o espírito que fala e se exprime e se comunica ao mundo.
Não teria assim o vampirismo sido senão uma fantasmagoria, uma tendência obsessiva, uma doença da alma que derrubaria a imagem de Deus, procurando apropriar-se do Seu poder.
A luz tornada obscuridade, as orações blasfêmias e o corpo ressuscitado, um fantasma errando fora do túmulo na busca do sangue que contém a vida.
Um monstruoso zombar da força espiritual que liberta o homem dos impulsos de ódio e de amor, levados até à obsessão que envenena.
Cronologia dos casos
De vampirismo
Segundo os processos verbais,
Desde a origem até os nossos dias.
Não é possível fazer-se um levantamento completo de todos os casos de vampirismo ou presumíveis como tal, mas podemos elaborar uma lista das principais manifestações que originam o processo verbal ou crônica de época.
Snornik, em Engic: Ao morrer, a mulher de um padre ortodoxo russo confessou-se vampiro.
Morávia, perto de Olmütz, em Liebava: O vampiro era uma pessoa considerada no local. Um húngaro caçador de vampiros subiu à noite ao campanário da igreja, perto do cemitério, a fim de espiar a saída do vampiro, a quem roubou a mortalha o que provocou uivos de revolta do vampiro. O húngaro convidou-o a vir buscar o seu fato de defunto e, quando este fez menção de subir ao campanário, o húngaro deitou-o da escada abaixo e cortou-lhe a cabeça com a ajuda de uma pá.
Sjonica: Uma noite, um homem chamado Ibro armou-se de uma faca e foi na mira de um vampiro. A luta não durou quase nada e o morto-vivo escapou-se. Perto da ponte da aldeia o homem volta a apanha-lo, apunhalando-o. No dia seguinte, no sítio onde o vampiro fora ferido, apenas foi encontrado um pouco de sangue, e na lâmina do punhal alguém escreveu uma oração em turco.
Paris, 1310: A seguir ao concílio de Troyes, em Maio de 1310, Filipe O Belo fez exumar o cadáver de Jean de Turo, construtor da torre, e iniciado no «Le Temple»[40], mandando lançar ao fogo o seu corpo um século depois da sua morte.
Boémia, em Blow, perto de Cadar-1337: Manifestações vampíricas no claustro de Opatowicze.
Boémia, em Lewin-1345: Morte de uma mulher que se dedicava à feitiçaria (morte natural ou suicídio), tendo sido sepultada num cruzamento de duas estradas.
Alta-Estíria, em Gratz, 1451: bárbara de Cillei ou Barbe de Cillei - amada por Segismundo da Hungria. O seu cadáver foi arrancado à morte graças ao ritual de Eléazar, que detinha o poder Abramelin o Mágico. Shéridan le Fanu inspirou-se em bárbara de Cillei para o personagem principal da sua obra-prima Carmila, o Drácula feminino.
Transilvânia, Curtes de Arges-1476: Vlad Draculya – Senhor da Valáquia, rei dos vampiros e cavaleiro da Ordem do Dragão foi enterrado na ilha de Snagov, na Romênia. Segundo investigações arqueológicas recentes, o seu túmulo encontra-se vazio.
Morávia, em Egwanschitz-1610: Manifestações de vampiros anos a fio.
Cracóvia, Fevereiro de 1624: Mulher vampiro em Clapardia, perto de Cracóvia.
Istrie, em Khring (ou Krinck)-1672: A 17 milhas de Laybach, no ducado de Miterburgo, um certo Giure Grando foi enterrado no cemitério local e atormentou durante longo tempo as gentes daquela região.
Hungria, Medreiga (Medwegya)-1690: Arnold Paole, heiduque de Medreiga, foi importunado por um vampiro nos arredores de Casanova, nas fronteiras da Sérvia turca. Afirmou que só depois de Ter ido ao túmulo do vampiro, comido terra do sepulcro e esfregado o corpo com sangue daquele, se viu livre de tal obsessão...
Pouco tempo depois morreu num acidente. Dias depois de ser enterrado, fenômenos de vampirismo aconteceram na aldeia. O corpo foi desfeito mas estava perfeitamente conservado; porém os fenômenos continuaram!
Arnold Paole viria a localizar mais dezessete cadáveres de heiduques iniciados em vampirismo. Um verdadeiro desfile de cavalaria das trevas.
Comuna rural de Metwett sobre Morava-1731: Treze óbitos em seis semanas. São acusadas duas mulheres, mortas há pouco tempo, que durante a sua vida se dedicaram ao culto do vampiro. Miliza, que morreu em idade avançada, e Stanno ainda jovem. A primeira chegada de Montenegro (ocupada então pelos turcos), onde fora contatada por um vampiro. A Segunda vinda da Turquia.
Hungria, Kisilova, a três léguas de Gradish-1738: Um vampiro de nome Peter Plogojowitz espalhou o terror em 1738 na aldeia de Kisilova. Morreram nove pessoas em oito dias.
Banat, Transilvânia-1755: Uma aldeia de Olmütz é citada, por um escritor, pelos numerosos casos de vampirismo aí ocorridos.
Sérvia, em Novi-Bazar-1827: As crônicas da época falam de fatos concretos passados com vampiros, sem contudo darem pontos de referência.
La Pierre-Sèche, perto de Salbris, França: Um dos casos mais espantosos relativos a um casal: Paul de Gièvres e Virginie Blanchet, cujo túmulo está visível à beira do lago de Sologne.
Tucchla (tuchela)-1873: O vampiro era o senhor ilustre da aldeia: Nicolai Macevko.
District de Stry-1873: Na sequência do caso de vampirismo de Tucchla, o povo do distrito de Stry dirigiu-se (ao fim de se registrarem várias mortes) a um túmulo suspeito em Slavka, destruindo o cadáver.
Sérvia, Pléternika-1888: Manifestações sangrentas de um vampiro, que foi abatido pela gente da aldeia.
Hungria, Krasznahorta-18...: No distrito de Rozsnyo, junto à pequena aldeia de Palotz, ergue-se o castelo de Krasnahorka. Em 1241, um pastor descobre uma pedra singular assim como um pequeno tesouro com o qual fez construir um castelo. Numa das salas, num caixão de vidro, está uma mulher vestida de preto, não reduzida a pó, com o braço direito ligeiramente levantado e o dedo indicador misteriosamente apontando...
Romênia, Crassova-1889: Trinta cadáveres foram trespassados por estacas no seguimento de manifestações vampíricas.
Transilvânia, Curtes de Arges 19...: Narração de Tinka, velha cigana de pequena aldeia de Capatineni, junto ao castelo de Drácula (narrado ao historiador Florescu). Logo a seguir à morte de seu pai se aperceberam estar-se na presença de um vampiro, uma vez que não se lhe manifestou qualquer rigidez cadavérica. Segundo Tinka, atravessaram-lhe o coração com uma estaca.
Romênia, Préjam (distrito de Vilces)-1902: Uma criança de 13 anos morto há pouco tempo foi decapitado, depois de lhe trespassarem o coração.
Jugoslávia, Kneginecc 1936: Diversos casos de vampirismo, atribuídos ao cadáver de uma mulher nova, enterrada no século XIII no castelo de Herdody, em Varazdin.
Sérvia, Kosovo-Mtohija, de 1936 a 1940 de 1947 a 1948: Emtre os Tziganes da província de Kossovo-Métohija, aconteceram muitos casos de vampirismo.
França, Nucourt, a 12 km de Gisors, século XIX: Descobre-se na torre templária de Neaufles um cadáver exangue apresentando no corpo marcas que lembram as que são feitas por tridentes. (Algumas pessoas localizaram este caso como tendo ocorrido no século XVIII.)
Em 1974, três túmulos do cemitério de Nucourt foram abertos e esvaziados.
Grã-Bretanha, Londres, Highgate-1974: Sean Manchester acaba de publicar recentemente um livro sobre o caso do vampiro de Highgate (este livro não está traduzido para francês). Várias testemunhas falam de manifestações de origem vampírica, no cemitério de Highgate. Fala-se de um misterioso caixão, vindo da Turquia para Highgate, no século passado.
David Farrant, presidente da British Psychic and Occult Societh, que numa noite celebrou o ritual de invocação ao vampiro, esteve preso durante quatro anos. Repetiram-se os casos de vampirismo em 1979. Segundo a imprensa britânica, surgiram mais casos de animais exangues nas imediações do cemitério. Farrant está neste momento elaborando um livro sobre o caso de Highgate.
Bibliografia
– Drácula, Bram Stoker; Marabout
– Carmila, Shéridan le Fanu
– Les Vampires, Tony Faivre; Edições Eric Losfeld
– Le Vampire, Ornella Volta; Jean Jacques Pauvert
– Le Vampirisme, Robert Ambelain
– A la recherche des vampires
– Les Archives de Dracula, Raymond Rudorff; Denoel
– Je suis une Légende, Richard Matheson; Denoel
– Le visage de Feu, Jean-Louis Bouquet; Edições Robert Marin
– La morte amoureuse, Théophile Gautier; Casterman
– Je suis d'ailleurs, Lovercraft; Denoel
– Smarra ou les Démons de la Nuit, Charles Nodier; Ponthieu
– lnfernália, Charles Nodier; Belfond
– Lord Ruthwen ou les Vampires; Ladvocat Li- braire.
– Malédictions et Violations de Tombes, André Parrot, Paris 1939
– Erzsébet Bathory, la comtesse sanglante, Valen- tine Penrose; Mercure de France.
– La Comtesse de sang, Maurice Perisset; Pygma- lion
– Loups-garous et Vampires, Roland Villeneuve; J’ai lu
– A la recherche de Dracula, Florescu Radu; Ro- bert Laffont
– Le culte du vampire, J ean-Paul Bourre; Edições Alain-Lefeuvreo
– Dracula et les vampires, Jean-Paul Bourre; Edit. du Rocher
– Le Musée des vampires, J. L. Degaudanzi; Henri Veyrier
– Histoires de vampires, Roger Vadim; Ed. Robert Laffont
– Chateau des Carpates, Júlio Veme; Livre de poche
– Histoires de Mors-vivants, Anthologie du fantastique; Presses Pocket
– The vampire’s bedside companion, Peter Underwood; Coronet Ed., Londres
– Le vampire en Europe, Montague Summers.
– Traité sur les apparitions des esprits et sur vampires ou les revenants de Hongrie, de Moravie, etc., Dom Augustin Calmet, Paris, 2.2 vol., 1751
– Histoires des vampires e Spectres malfaisants Examen du Vampirisme, Collin de Plancy, Paris 1820
– La Crainte des Morts, Sir J ames George Frazer, 3.º volume com prefácio de Paul Valéry, 1934; Ed. Libraire Orientaliste.
– A dream of Dracula, Léonard Woolf; Boston
– Histoire des Moines de Syrie, Théodoret de Cyr – 2. º vol.; Ed. du Cerf
– Chapitres Théologiques, Syméon le Nouveau Théologien; Ed. du Cerf
– Athos, Voyage à la Montagne sainte, Jean Biés; Dervy Livres
– Là Haut, J. K. Huysmans; Ed. Casterman ampire, Scott Baker; Seghers
– Dhampire, Scott Baker; Seghers
– Un Vampire ordinaire, Suzy McKee Chamas; Robert Laffont
– Mademoiselle Christina, Mirces Eliade; L 'Nerne
– Dracula, Bram Stoker, bande dessinée de lo Fernandez; Campus Ed.
La deux fois morte, Jules Lermina, 1895; Chamuel Ed.
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