REALIZARIUM
Autor: Fernando Ferric
Frank caminhava a passos curtos e rápidos. Em uma mão segurava sua pasta de couro, na outra um cigarro, que acendeu na bituca de outro que acabara de fumar. Ele estava determinado. Aquele seria seu ultimo dia de vida. Nada dava certo, e sempre foi assim. Tentou, lutou muito para vencer, obter sucesso profissional e estabilidade financeira. Mas, como conseguir se sempre era preterido pelo seu chefe? Maldito Apolinário! – pensava. Ele contava com a promoção, estava afundado em dividas, luz, telefone, a escola dos filhos, a casa hipotecada. Como ia contar para sua família que não havia conseguido? Que não seria mais nomeado editor chefe do caderno de esportes. Todos esperavam que após a aposentadoria do antigo editor ele assumisse essa função. Mais de quinze anos de dedicação, trabalhando como louco naquele jornal, esperando a sua chance, e, quando tudo parecia dar certo, deram o cargo para um jovem que estava pouco mais de dois anos na redação. Mas o outro tinha um trunfo que ele não possuía, era noivo de Julia, filha de Apolinário. Uma mulher horrível, a única coisa que a tornava atraente era a enorme fortuna e poder que carregava no sobrenome.
Não ia suportar tamanha humilhação, como ia olhar para seus filhos, para sua mulher? Isso atormentava sua cabeça e ele sabia que o único jeito era estourar seus miolos. Por isso estava lá, em frente a uma loja de armas, olhando pela vitrine todas aquelas máquinas de matar, imaginando o buraco que faria na sua cabeça cada calibre. Era a melhor maneira para se matar, já que não tinha coragem de se jogar de um prédio, ou de se enforcar. Mas um tiro seria rápido e provavelmente indolor.
“Vejo que quer tirar sua vida”
Frank olhou assustado para trás, mas não havia ninguém atrás dele, só as pessoas que caminhavam do outro lado da rua. Mas aquela voz tinha sido um sussurro em seu ouvido.
- Ora! Devo estar ouvindo coisas. – pensou.
“Não está! Eu quero ajudar você!”
- Quem está falando? Que brincadeira é essa? – esbravejou pisando no que restara do seu cigarro.
Sem resposta, pensou estar participando de alguma pegadinha daqueles shows que tanto odiava na televisão. Mas não havia tempo para tolices, tinha que entrar na loja, comprar uma arma e depois explodir sua cabeça em um canto qualquer daquela cidade imunda. Sua massa encefálica seria apenas mais lixo em meio a tantos outros.
Ao encostar a mão na maçaneta para entrar na loja, a voz sussurrou novamente em seu ouvido.
“Frank, Frank, Frank…. Eu tenho a solução para seus problemas. Não compre essa arma!”
Ele parou, deixando a pasta cair no chão.
- O quê? Você disse meu nome? Mas que raios! Quem é você?
“Sim, Frank! Sei seu nome, e também sei que posso te ajudar... Estou aqui, na vitrine ao lado”.
Frank pegou sua pasta, coçou a cabeça, olhou ao seu redor, tentando decifrar o que era aquilo. Aproximou-se da vitrine na loja ao lado, uma loja de artigos esotéricos. Havia dezenas de objetos ali; gnomos, duendes e bruxas de gesso, incensos, pedras... Não havia ninguém naquela vitrine. Pensou estar mesmo maluco.
“Isso, Frank... Consegue me ver? Cá estou!”
- Mas que diabos! Onde? Onde? – disse Frank confuso.
“Estou ao lado dos gnomos...”
O objeto parecia uma estátua de um monstro, com asas e garras afiadas, e na sua base um pequeno recipiente em forma de prato.
- Isso é você? – se aproximou ainda mais da vitrine – Não é possível, não posso estar falando com uma estátua.
“Não Frank! Não sou uma estátua... Sou um “Realizarium”... Não sou como esses outros objetos.”
Frank não conseguia acreditar naquilo, ele ouvia aquela voz em seu ouvido, mas o objeto sequer se movia. Encostou o seu rosto na vitrine como se pudesse tocá-lo com os olhos.
- Algum problema, senhor?
- Não! Nenhum... Você trabalha aqui? – perguntou ao jovem que saiu de dentro da loja.
- Sim, eu trabalho.
Frank se aproximou dele. E disse com a voz bem baixa, quase inaudível.
- Esse negócio... Ele fala? - apontando para o objeto.
O rapaz deu um leve sorriso.
- O Realizarium? Não senhor... Isso é o que contam desse objeto. Mas é tudo lenda, assim como os gnomos, fadas e bruxas... Mas meu chefe não pode escutar eu falando isso, não é? Afinal, eu tenho que vender...
Frank abaixou a cabeça, consternado.
“Lenda? Não acredite nele Frank, sou real! Esse estúpido de nada sabe...”
- Rapaz... Qual a lenda desse tal Realizarium? Eu nunca ouvi falar nisso.
- Poucos conhecem. Meu chefe que sabe a história certinha, mas ele não está. Parece que esse objeto era um culto há um demônio, e era muito comum no Egito antigo. Chama-se Realizarium porque realizava os desejos dos seus donos.
Mesmo não acreditando muito em tudo aquilo, por uma pequena quantia comprou a peça.
Ao chegar em casa, mal conversou com sua esposa e foi direto para o seu escritório, trancou a porta para certificar que não seria incomodado. Abriu o embrulho e colocou o objeto em cima da mesa, preparou uma dose de whisky, acendeu um cigarro, sentou confortavelmente em sua cadeira, e ficou observando atentamente o objeto.
Aquela voz não lhe tinha dito mais nada. Perguntava se realmente aquilo tinha sido real, e começava a se arrepender de não ter comprado a arma. O silêncio o incomodava.
- Por que não está mais falando comigo? – pegando o objeto em suas mãos – Seja lá o que você for, disse que me ajudaria, e estou precisando realmente.
“Ora, Ora... Então está deixando de ser cético? Muito bom! Frank, Frank, Frank... Vou ajudar você sim. É só me pedir o que quer, mas preciso de algo muito valioso para mim, algo que também é vital para você, mas eu necessito de pouco, não lhe fará falta.”
- Então pode realmente me ajudar?!! Mas o que preciso fazer? Faço tudo que puder para sair dessa situação.
“Eu sei Frank... Eu sei! Preciso apenas de algumas gotas do seu sangue, faça seu pedido, fure seu dedo na ponta de minha garra, e deixe pingar algumas gotas. Simples não é? É bem favorável a você... Eu resolvo seus problemas, em troca de um pouco do seu sangue. Mas se não quiser... Sabe onde encontrar aquela arma”.
Achou estranho tudo aquilo, mas como não encontrava solução para seus problemas, resolveu arriscar, já que não teria nada a perder. Desejou que lhe fosse dado o que achava seu, por mérito. A promoção que tanto lutou e esperou conquistar. Enfiou o dedo no copo de whisky e o perfurou com a ponta de uma das garras do monstro talhado em madeira. Aos poucos, pequenas gotas de sangue deslizavam vagarosamente pelo objeto, passando por todo corpo até sua base.
“Frank, Frank, Frank… Tens um sangue tão doce... Quando menos esperar o que desejou estará acontecendo.”
- Meu amor... O jantar está pronto! Frank? Porque trancou a porta? Está tudo bem? – disse sua mulher batendo na porta.
- Sim Anne, está tudo bem... Já vou descer, só não queria ser interrompido, subi para ler e acabei cochilando.
Colocou a peça em sua estante, como se fosse parte da decoração ambiente. Entre fotos, porta canetas, agendas, aquele pequeno demônio de madeira absorvia ainda o sangue depositado.
No jantar, ele estava longe, distraído, não parava de pensar no Realizarium, mas quando Josh, seu filho, disse que sua irmã estava namorando Paul Larusso, quase engasgou. Ele detestava aquele rapaz, que vivia pra cima e pra baixo com sua motocicleta barulhenta por todo o quarteirão. Sua mulher sempre paciente tentou botar “panos quentes”, mas ele não engoliu aquilo, seu filho tinha apenas sete anos, mas não era de ficar inventando. Olhou no relógio, já eram mais de nove horas, e ela ainda não estava em casa. Tentou terminar de comer, mas aquela noticia indesejada lhe roubou a fome.
- Hoje eu vou ter uma conversa com a Lisa. Ela não escapa! – disse ele ao levantar da mesa.
Sua mulher o chamou para deitar, mas ele ficou lá, imóvel no sofá, aguardando. E por volta de onze horas, quando ela retornou, ele foi direto ao ponto. Disse que não aceitava o namoro, e que não queria nem sonhar que ela estivesse se encontrando com o tal. Ela tentou negar, mas depois admitiu e disse que ele não tinha mais que tomar conta da sua vida, pois já era suficientemente adulta para saber o que fazia. Os dois discutiram, e só pararam quando sua mulher interveio.
Na manhã seguinte, Frank acordou assustado, sua cabeça doía, ainda pelos problemas passados no dia anterior. Maldita quinta-feira! – esbravejou – Ao perceber que estava atrasado, se arrumou rapidamente e foi para o trabalho.
Ao se aproximar notou uma enorme movimentação de curiosos, a presença da polícia e de uma ambulância na entrada do jornal.
- Eu trabalho aqui! – disse ao ser barrado por um policial.
- Desculpe senhor, mas a entrada só será liberada depois da perícia.
- Perícia? O que está acontecendo? – perguntou, tentando espiar.
- Frank! Já está sabendo o que aconteceu? – disse um dos repórteres que trabalhava com ele.
- Não!!! Eu acabei de chegar...
O repórter lhe acendeu um cigarro, e o convidou para tomar um café no bar em frente.
-Frank, você não vai acreditar! Houve um horrível acidente, eu estava entrando e vi tudo que aconteceu. O elevador, não me pergunte como, travou com tudo, bem na hora em que Carl estava entrando. Ele ficou preso, gritou por socorro, mas ninguém conseguiu fazer nada, e quando o elevador subiu, seu corpo foi totalmente cortado, como se fosse um boneco de pano. Nunca vi nada parecido, uma parte do corpo ficou no elevador e outra no saguão. Cara... Foi horrível!!! Poderia ter sido comigo... Ou até com você! Que fatalidade...
- Espera! Você disse Carl? O novo editor Carl Edward??? – perguntou Frank espantado.
-Sim meu caro amigo... O seu novo... Alias, ex-chefe né? O velho deve estar inconformado, logo agora que ele arrumou um noivo para filha.
Frank colocou a mão na boca, surpreso, imaginava que aquilo não podia ter sido mera coincidência, que poderia, sim, ter sido obra do Realizarium. Ele desejou o cargo, e agora a pessoa que estava com ele, estava morta. Ficou ali sentado no bar, aguardando levarem o que sobrara do corpo do rapaz. Fingindo prestar atenção no que dizia seu colega repórter.
À noite, no velório do genro, enquanto a filha fazia um verdadeiro show de lamentação no caixão do noivo falecido, Apolinário chamou Frank para uma conversa. Disse que um jornal não devia parar nunca, e ele, como dono, sempre pensava no dia seguinte, e que o cargo de editor agora lhe pertencia. Frank só não comemorou porque, na hora, lembrou estar em uma sala de velório. Mas saiu do cemitério dando pulos de alegria. Era editor! E nem precisou namorar a filha feia do patrão...
Ao chegar em casa, contou a novidade. Sua mulher há tempos não o via tão feliz. Ele propôs jantar fora, para comemorar. E teria sido uma noite perfeita, se sua filha estivesse presente. Devia estar de novo com aquele marginal! - pensou. Nem pôde conversar com ela, pois, quando voltaram do jantar já estava dormindo. Antes de deitar foi até seu escritório.
-Não que eu duvidasse, mas realmente aconteceu o que prometera. Só acho que não precisava ter acontecido dessa forma. - disse ele com o Realizarium nas mãos.
"Frank, Frank, Frank! O fim justifica os meios, não? Quem se importa? Ninguém ali nunca pensou em você. Não seja um tolo!"
- Tá certo! Muito obrigado... Agora tenho que dormir. - disse saindo da sala.
"Queria eu que estivesse tudo certo, Frank."
- O que disse?
"Não vê com preocupação o namoro da sua querida filha?"
Ele retornou até a criatura.
O que tem minha filha? Por que está dizendo isso?
"Aquele rapaz, não é a pessoa certa para ela! Não quer sua filha envolvida com uma pessoa ruim, ou quer? Sei que não, Frank! Lembre-se que estou aqui para realizar seus desejos. Sejam eles quais forem..."
Ele ficou ali, parado, pensando que realmente seria bom afastar a filha daquele sujeito.
- Você tem razão! Mas só o afaste! Sem mortes, sem sangue... Compreende? Acho que um susto caberia muito bem.
"Frank, Frank, Frank... Seu desejo será então realizado... Agora vamos senhor editor! Me dê mais um pouco do seu sangue!"
Frank não lhe negou novamente. E parecia até começar a gostar de sustentar a estranha criatura.
No dia seguinte, estava realizado na sua mesa nova, brincando com a placa de editor que estava ali postada. Sabia que jamais alguém acreditaria numa história daquela, e se sentia um homem de sorte por ter encontrado tal criatura. Não precisava de mais nada... Porque capacidade para crescer cada vez mais no jornal, tinha de sobra.
Mas no fim da tarde, seu telefone tocou e quando atendeu toda a sua felicidade se esvaiu. Era sua mulher pedindo para que fosse imediatamente para o hospital, sua filha havia sofrido um acidente.
Frank deixou o jornal correndo, desesperado. E quando viu a sua mulher e seu filho, percebeu que a situação era muito grave.
- Nossa menina... Oh deus nossa menina! Ela está morta Frank! Está morta! - gritou Anne desconsolada.
Entrou em choque, não sabia o que fazer, e quando soube por um dos homens do resgate que havia sido um acidente de moto, e que Paul Larusso também tinha falecido. Percebeu o mal que havia cometido.
"Matei minha filha!" – pensou.
Pegou um táxi e foi direto para sua casa, deixando a esposa e o filho ainda no hospital. Subiu até o escritório em prantos.
- Seu desgraçado! Eu lhe disse que não era pra ser assim! Quero minha filha de volta, está ouvindo? Quero a Lisa de volta!!!
Seus lamentos não eram sequer respondidos. Frank, desesperado, implorou, ofereceu mais sangue em troca da vida de sua filha, mas a voz já não sussurrava mais em seus ouvidos.
No dia seguinte, após enterrar a filha, Frank sentia o peso da culpa, não conseguia entender tamanha desgraça em sua vida e voltou decidido a dar um fim no Realizarium. Fora ganancioso a ponto de entregar a própria filha nos braços da morte, agora era tempo de cessar com aquilo.
Ao chegar, pegou o objeto, embrulhou nas folhas de um jornal que havia em sua mesa, e o colocou em um saco de lixo.
- Amanhã cedo eu me livro de você! Como pude confiar em um demônio? – lamentou saindo do escritório.
- O que disse, querido?
- Nada, Anne, foi apenas um pensamento. – disse dando-lhe um forte abraço.
Foi para seu quarto, tomou calmante para amenizar a dor que sentia... E deitou solitário.
Naquela madrugada, Frank acordou sentindo um mal estar. Levantou, e foi até o banheiro... Seu peito doía, sentiu seu estomago embrulhar com uma forte vontade de vomitar. Mal debruçou no vaso, começou a expelir uma enorme quantidade de sangue. Desesperado, gritou por Anne...
Sem resposta, levantou com dificuldade e foi cambaleando até o escritório, onde havia deixado seu remédio para hipertensão. Empurrou a porta, acendeu a luz, entrou quase que engatinhando, e ao abrir a gaveta em busca dos comprimidos... A surpresa! O Realizarium não estava mais lá. Não estava louco! Havia deixado a peça em cima da mesa...
- Anne! Anne! – gritou novamente...
Sua mulher acordou com os gritos, foi até o escritório e o encontrou caído, já sem força, com o pijama manchado pelo sangue. Desesperada, o acudiu, inclinando seu corpo ao seu encontro.
- O que está acontecendo Frank?
- Por que? Por que fez isso comigo, Anne... Onde está aquele... Demônio?
- Que demônio querido? Frank?
-Não minta... pra mim, você... desejou! Por que fez isso?
- Fiz o que? Fala comigo! Frank? Vou chamar uma ambulância!
- Não! Não me deixe sozinho...
Ela ficou ao seu lado, segurando sua mão até seu ultimo respiro.
Na escada, Josh assistia a tudo com o Realizarium em seus braços.
“Josh, Josh, Josh... Está feito, assim como desejou. Não fique triste, foi o melhor a fazer, já que ele desejou a morte de sua irmã.”
Vagarosamente, ele subiu com o objeto até seu quarto, colocou-o embaixo da cama. E se deitou, como se nada estivesse acontecendo. E antes que pudesse fechar os olhos...
“Josh... Já percebeu que sua mãe nem se importa com você?”
Autor: Fernando Ferric
Frank caminhava a passos curtos e rápidos. Em uma mão segurava sua pasta de couro, na outra um cigarro, que acendeu na bituca de outro que acabara de fumar. Ele estava determinado. Aquele seria seu ultimo dia de vida. Nada dava certo, e sempre foi assim. Tentou, lutou muito para vencer, obter sucesso profissional e estabilidade financeira. Mas, como conseguir se sempre era preterido pelo seu chefe? Maldito Apolinário! – pensava. Ele contava com a promoção, estava afundado em dividas, luz, telefone, a escola dos filhos, a casa hipotecada. Como ia contar para sua família que não havia conseguido? Que não seria mais nomeado editor chefe do caderno de esportes. Todos esperavam que após a aposentadoria do antigo editor ele assumisse essa função. Mais de quinze anos de dedicação, trabalhando como louco naquele jornal, esperando a sua chance, e, quando tudo parecia dar certo, deram o cargo para um jovem que estava pouco mais de dois anos na redação. Mas o outro tinha um trunfo que ele não possuía, era noivo de Julia, filha de Apolinário. Uma mulher horrível, a única coisa que a tornava atraente era a enorme fortuna e poder que carregava no sobrenome.
Não ia suportar tamanha humilhação, como ia olhar para seus filhos, para sua mulher? Isso atormentava sua cabeça e ele sabia que o único jeito era estourar seus miolos. Por isso estava lá, em frente a uma loja de armas, olhando pela vitrine todas aquelas máquinas de matar, imaginando o buraco que faria na sua cabeça cada calibre. Era a melhor maneira para se matar, já que não tinha coragem de se jogar de um prédio, ou de se enforcar. Mas um tiro seria rápido e provavelmente indolor.
“Vejo que quer tirar sua vida”
Frank olhou assustado para trás, mas não havia ninguém atrás dele, só as pessoas que caminhavam do outro lado da rua. Mas aquela voz tinha sido um sussurro em seu ouvido.
- Ora! Devo estar ouvindo coisas. – pensou.
“Não está! Eu quero ajudar você!”
- Quem está falando? Que brincadeira é essa? – esbravejou pisando no que restara do seu cigarro.
Sem resposta, pensou estar participando de alguma pegadinha daqueles shows que tanto odiava na televisão. Mas não havia tempo para tolices, tinha que entrar na loja, comprar uma arma e depois explodir sua cabeça em um canto qualquer daquela cidade imunda. Sua massa encefálica seria apenas mais lixo em meio a tantos outros.
Ao encostar a mão na maçaneta para entrar na loja, a voz sussurrou novamente em seu ouvido.
“Frank, Frank, Frank…. Eu tenho a solução para seus problemas. Não compre essa arma!”
Ele parou, deixando a pasta cair no chão.
- O quê? Você disse meu nome? Mas que raios! Quem é você?
“Sim, Frank! Sei seu nome, e também sei que posso te ajudar... Estou aqui, na vitrine ao lado”.
Frank pegou sua pasta, coçou a cabeça, olhou ao seu redor, tentando decifrar o que era aquilo. Aproximou-se da vitrine na loja ao lado, uma loja de artigos esotéricos. Havia dezenas de objetos ali; gnomos, duendes e bruxas de gesso, incensos, pedras... Não havia ninguém naquela vitrine. Pensou estar mesmo maluco.
“Isso, Frank... Consegue me ver? Cá estou!”
- Mas que diabos! Onde? Onde? – disse Frank confuso.
“Estou ao lado dos gnomos...”
O objeto parecia uma estátua de um monstro, com asas e garras afiadas, e na sua base um pequeno recipiente em forma de prato.
- Isso é você? – se aproximou ainda mais da vitrine – Não é possível, não posso estar falando com uma estátua.
“Não Frank! Não sou uma estátua... Sou um “Realizarium”... Não sou como esses outros objetos.”
Frank não conseguia acreditar naquilo, ele ouvia aquela voz em seu ouvido, mas o objeto sequer se movia. Encostou o seu rosto na vitrine como se pudesse tocá-lo com os olhos.
- Algum problema, senhor?
- Não! Nenhum... Você trabalha aqui? – perguntou ao jovem que saiu de dentro da loja.
- Sim, eu trabalho.
Frank se aproximou dele. E disse com a voz bem baixa, quase inaudível.
- Esse negócio... Ele fala? - apontando para o objeto.
O rapaz deu um leve sorriso.
- O Realizarium? Não senhor... Isso é o que contam desse objeto. Mas é tudo lenda, assim como os gnomos, fadas e bruxas... Mas meu chefe não pode escutar eu falando isso, não é? Afinal, eu tenho que vender...
Frank abaixou a cabeça, consternado.
“Lenda? Não acredite nele Frank, sou real! Esse estúpido de nada sabe...”
- Rapaz... Qual a lenda desse tal Realizarium? Eu nunca ouvi falar nisso.
- Poucos conhecem. Meu chefe que sabe a história certinha, mas ele não está. Parece que esse objeto era um culto há um demônio, e era muito comum no Egito antigo. Chama-se Realizarium porque realizava os desejos dos seus donos.
Mesmo não acreditando muito em tudo aquilo, por uma pequena quantia comprou a peça.
Ao chegar em casa, mal conversou com sua esposa e foi direto para o seu escritório, trancou a porta para certificar que não seria incomodado. Abriu o embrulho e colocou o objeto em cima da mesa, preparou uma dose de whisky, acendeu um cigarro, sentou confortavelmente em sua cadeira, e ficou observando atentamente o objeto.
Aquela voz não lhe tinha dito mais nada. Perguntava se realmente aquilo tinha sido real, e começava a se arrepender de não ter comprado a arma. O silêncio o incomodava.
- Por que não está mais falando comigo? – pegando o objeto em suas mãos – Seja lá o que você for, disse que me ajudaria, e estou precisando realmente.
“Ora, Ora... Então está deixando de ser cético? Muito bom! Frank, Frank, Frank... Vou ajudar você sim. É só me pedir o que quer, mas preciso de algo muito valioso para mim, algo que também é vital para você, mas eu necessito de pouco, não lhe fará falta.”
- Então pode realmente me ajudar?!! Mas o que preciso fazer? Faço tudo que puder para sair dessa situação.
“Eu sei Frank... Eu sei! Preciso apenas de algumas gotas do seu sangue, faça seu pedido, fure seu dedo na ponta de minha garra, e deixe pingar algumas gotas. Simples não é? É bem favorável a você... Eu resolvo seus problemas, em troca de um pouco do seu sangue. Mas se não quiser... Sabe onde encontrar aquela arma”.
Achou estranho tudo aquilo, mas como não encontrava solução para seus problemas, resolveu arriscar, já que não teria nada a perder. Desejou que lhe fosse dado o que achava seu, por mérito. A promoção que tanto lutou e esperou conquistar. Enfiou o dedo no copo de whisky e o perfurou com a ponta de uma das garras do monstro talhado em madeira. Aos poucos, pequenas gotas de sangue deslizavam vagarosamente pelo objeto, passando por todo corpo até sua base.
“Frank, Frank, Frank… Tens um sangue tão doce... Quando menos esperar o que desejou estará acontecendo.”
- Meu amor... O jantar está pronto! Frank? Porque trancou a porta? Está tudo bem? – disse sua mulher batendo na porta.
- Sim Anne, está tudo bem... Já vou descer, só não queria ser interrompido, subi para ler e acabei cochilando.
Colocou a peça em sua estante, como se fosse parte da decoração ambiente. Entre fotos, porta canetas, agendas, aquele pequeno demônio de madeira absorvia ainda o sangue depositado.
No jantar, ele estava longe, distraído, não parava de pensar no Realizarium, mas quando Josh, seu filho, disse que sua irmã estava namorando Paul Larusso, quase engasgou. Ele detestava aquele rapaz, que vivia pra cima e pra baixo com sua motocicleta barulhenta por todo o quarteirão. Sua mulher sempre paciente tentou botar “panos quentes”, mas ele não engoliu aquilo, seu filho tinha apenas sete anos, mas não era de ficar inventando. Olhou no relógio, já eram mais de nove horas, e ela ainda não estava em casa. Tentou terminar de comer, mas aquela noticia indesejada lhe roubou a fome.
- Hoje eu vou ter uma conversa com a Lisa. Ela não escapa! – disse ele ao levantar da mesa.
Sua mulher o chamou para deitar, mas ele ficou lá, imóvel no sofá, aguardando. E por volta de onze horas, quando ela retornou, ele foi direto ao ponto. Disse que não aceitava o namoro, e que não queria nem sonhar que ela estivesse se encontrando com o tal. Ela tentou negar, mas depois admitiu e disse que ele não tinha mais que tomar conta da sua vida, pois já era suficientemente adulta para saber o que fazia. Os dois discutiram, e só pararam quando sua mulher interveio.
Na manhã seguinte, Frank acordou assustado, sua cabeça doía, ainda pelos problemas passados no dia anterior. Maldita quinta-feira! – esbravejou – Ao perceber que estava atrasado, se arrumou rapidamente e foi para o trabalho.
Ao se aproximar notou uma enorme movimentação de curiosos, a presença da polícia e de uma ambulância na entrada do jornal.
- Eu trabalho aqui! – disse ao ser barrado por um policial.
- Desculpe senhor, mas a entrada só será liberada depois da perícia.
- Perícia? O que está acontecendo? – perguntou, tentando espiar.
- Frank! Já está sabendo o que aconteceu? – disse um dos repórteres que trabalhava com ele.
- Não!!! Eu acabei de chegar...
O repórter lhe acendeu um cigarro, e o convidou para tomar um café no bar em frente.
-Frank, você não vai acreditar! Houve um horrível acidente, eu estava entrando e vi tudo que aconteceu. O elevador, não me pergunte como, travou com tudo, bem na hora em que Carl estava entrando. Ele ficou preso, gritou por socorro, mas ninguém conseguiu fazer nada, e quando o elevador subiu, seu corpo foi totalmente cortado, como se fosse um boneco de pano. Nunca vi nada parecido, uma parte do corpo ficou no elevador e outra no saguão. Cara... Foi horrível!!! Poderia ter sido comigo... Ou até com você! Que fatalidade...
- Espera! Você disse Carl? O novo editor Carl Edward??? – perguntou Frank espantado.
-Sim meu caro amigo... O seu novo... Alias, ex-chefe né? O velho deve estar inconformado, logo agora que ele arrumou um noivo para filha.
Frank colocou a mão na boca, surpreso, imaginava que aquilo não podia ter sido mera coincidência, que poderia, sim, ter sido obra do Realizarium. Ele desejou o cargo, e agora a pessoa que estava com ele, estava morta. Ficou ali sentado no bar, aguardando levarem o que sobrara do corpo do rapaz. Fingindo prestar atenção no que dizia seu colega repórter.
À noite, no velório do genro, enquanto a filha fazia um verdadeiro show de lamentação no caixão do noivo falecido, Apolinário chamou Frank para uma conversa. Disse que um jornal não devia parar nunca, e ele, como dono, sempre pensava no dia seguinte, e que o cargo de editor agora lhe pertencia. Frank só não comemorou porque, na hora, lembrou estar em uma sala de velório. Mas saiu do cemitério dando pulos de alegria. Era editor! E nem precisou namorar a filha feia do patrão...
Ao chegar em casa, contou a novidade. Sua mulher há tempos não o via tão feliz. Ele propôs jantar fora, para comemorar. E teria sido uma noite perfeita, se sua filha estivesse presente. Devia estar de novo com aquele marginal! - pensou. Nem pôde conversar com ela, pois, quando voltaram do jantar já estava dormindo. Antes de deitar foi até seu escritório.
-Não que eu duvidasse, mas realmente aconteceu o que prometera. Só acho que não precisava ter acontecido dessa forma. - disse ele com o Realizarium nas mãos.
"Frank, Frank, Frank! O fim justifica os meios, não? Quem se importa? Ninguém ali nunca pensou em você. Não seja um tolo!"
- Tá certo! Muito obrigado... Agora tenho que dormir. - disse saindo da sala.
"Queria eu que estivesse tudo certo, Frank."
- O que disse?
"Não vê com preocupação o namoro da sua querida filha?"
Ele retornou até a criatura.
O que tem minha filha? Por que está dizendo isso?
"Aquele rapaz, não é a pessoa certa para ela! Não quer sua filha envolvida com uma pessoa ruim, ou quer? Sei que não, Frank! Lembre-se que estou aqui para realizar seus desejos. Sejam eles quais forem..."
Ele ficou ali, parado, pensando que realmente seria bom afastar a filha daquele sujeito.
- Você tem razão! Mas só o afaste! Sem mortes, sem sangue... Compreende? Acho que um susto caberia muito bem.
"Frank, Frank, Frank... Seu desejo será então realizado... Agora vamos senhor editor! Me dê mais um pouco do seu sangue!"
Frank não lhe negou novamente. E parecia até começar a gostar de sustentar a estranha criatura.
No dia seguinte, estava realizado na sua mesa nova, brincando com a placa de editor que estava ali postada. Sabia que jamais alguém acreditaria numa história daquela, e se sentia um homem de sorte por ter encontrado tal criatura. Não precisava de mais nada... Porque capacidade para crescer cada vez mais no jornal, tinha de sobra.
Mas no fim da tarde, seu telefone tocou e quando atendeu toda a sua felicidade se esvaiu. Era sua mulher pedindo para que fosse imediatamente para o hospital, sua filha havia sofrido um acidente.
Frank deixou o jornal correndo, desesperado. E quando viu a sua mulher e seu filho, percebeu que a situação era muito grave.
- Nossa menina... Oh deus nossa menina! Ela está morta Frank! Está morta! - gritou Anne desconsolada.
Entrou em choque, não sabia o que fazer, e quando soube por um dos homens do resgate que havia sido um acidente de moto, e que Paul Larusso também tinha falecido. Percebeu o mal que havia cometido.
"Matei minha filha!" – pensou.
Pegou um táxi e foi direto para sua casa, deixando a esposa e o filho ainda no hospital. Subiu até o escritório em prantos.
- Seu desgraçado! Eu lhe disse que não era pra ser assim! Quero minha filha de volta, está ouvindo? Quero a Lisa de volta!!!
Seus lamentos não eram sequer respondidos. Frank, desesperado, implorou, ofereceu mais sangue em troca da vida de sua filha, mas a voz já não sussurrava mais em seus ouvidos.
No dia seguinte, após enterrar a filha, Frank sentia o peso da culpa, não conseguia entender tamanha desgraça em sua vida e voltou decidido a dar um fim no Realizarium. Fora ganancioso a ponto de entregar a própria filha nos braços da morte, agora era tempo de cessar com aquilo.
Ao chegar, pegou o objeto, embrulhou nas folhas de um jornal que havia em sua mesa, e o colocou em um saco de lixo.
- Amanhã cedo eu me livro de você! Como pude confiar em um demônio? – lamentou saindo do escritório.
- O que disse, querido?
- Nada, Anne, foi apenas um pensamento. – disse dando-lhe um forte abraço.
Foi para seu quarto, tomou calmante para amenizar a dor que sentia... E deitou solitário.
Naquela madrugada, Frank acordou sentindo um mal estar. Levantou, e foi até o banheiro... Seu peito doía, sentiu seu estomago embrulhar com uma forte vontade de vomitar. Mal debruçou no vaso, começou a expelir uma enorme quantidade de sangue. Desesperado, gritou por Anne...
Sem resposta, levantou com dificuldade e foi cambaleando até o escritório, onde havia deixado seu remédio para hipertensão. Empurrou a porta, acendeu a luz, entrou quase que engatinhando, e ao abrir a gaveta em busca dos comprimidos... A surpresa! O Realizarium não estava mais lá. Não estava louco! Havia deixado a peça em cima da mesa...
- Anne! Anne! – gritou novamente...
Sua mulher acordou com os gritos, foi até o escritório e o encontrou caído, já sem força, com o pijama manchado pelo sangue. Desesperada, o acudiu, inclinando seu corpo ao seu encontro.
- O que está acontecendo Frank?
- Por que? Por que fez isso comigo, Anne... Onde está aquele... Demônio?
- Que demônio querido? Frank?
-Não minta... pra mim, você... desejou! Por que fez isso?
- Fiz o que? Fala comigo! Frank? Vou chamar uma ambulância!
- Não! Não me deixe sozinho...
Ela ficou ao seu lado, segurando sua mão até seu ultimo respiro.
Na escada, Josh assistia a tudo com o Realizarium em seus braços.
“Josh, Josh, Josh... Está feito, assim como desejou. Não fique triste, foi o melhor a fazer, já que ele desejou a morte de sua irmã.”
Vagarosamente, ele subiu com o objeto até seu quarto, colocou-o embaixo da cama. E se deitou, como se nada estivesse acontecendo. E antes que pudesse fechar os olhos...
“Josh... Já percebeu que sua mãe nem se importa com você?”
Fonte: http://www.contosdeterror.com.br
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