domingo, 28 de fevereiro de 2010

SOMBRA ... UMA PARÁBOLA



Autor: Edgar Allan Pöe (tradução de J. Jaeger)


“E, ainda que eu caminhe através dos vales da Sombra...”


Salmo de Davi


Vós, que me ledes, estais vivo; mas eu, que escrevo, há muito declinei em meu caminho para as regiões das sombras. Porque estranhas coisas ocorrerão e coisas secretas serão reveladas; e muitos séculos terão decorrido até que os homens leiam estas memórias. E, quando as virem, alguns não lhe darão crédito e outros irão duvidar; contudo, uns poucos encontrarão razões para meditar sobre os carcteres aqui gravados com férreo estilete.

O ano tinha sido de terror e de sensações muito mais intensas que o terror, para o qual não existe nome sobre a terra. Pois se sucederam muitos prodígios e muitos sinais e. em toda parte, sobre o mar e sobre a terra, estendiam-se as asas da Peste. Para eles outros, doutos na leitura das estrelas, não era estranho que os céus revelassem uma fisionomia de desgraças; mas, para mim, o grego Óinos, e para os meus companheiros, era evidente que havia chegado a alternação daquele ciclo de setecentos e noventa e quatro anos, em que, à entrada de Áries, o planeta Júpiter entra em conjunção com o anel vermelho do terrível Saturno. O espírito característico dos céus, se muito não me engano, era visível não apenas na órbita física da Terra, mas, igualmente, nas almas, na imaginação e excogitações da humanidade.

Sentados em volta de algumas garrafas de vinho tinto de Quios, na sombria cidade de Ptolomais, formávamos nós, à noite, um grupo de sete pessoas. Não havia, em nossa sala, outra entrada que não uma enorme porta de bronze, que havia sido fundida pelo artista Corino; era de rara compleição e estava trancada por dentro. No sombrio aposento, negras cortinas alijavam-nos da visão da lua, das fúnebres estrelas e das ruas desertas. Mas o presságio e a lembrança do mal não podiam ser excluídos. Em torno de nós e dentro de nós coisas havia que não podem ser descritas – coisas materiais e espirituais: uma atmosfera pesada, uma sensação de sufocamento, de ansiedade e, sobretudo, esse terrível estado de existência em que os nervos experimentam quando os sentidos estão vivos e despertos, enquanto as faculdades da mente estão inativas.

Um peso mortal nos afligia. Caía sobre os nossos corpos, sobre os móveis e sobre os copos. E tudo era depressivo e tenebroso, salvo as chamas de sete lâmpadas de ferro que alumiavam nossa orgia. Alçando-se em altos e delgados espectros de luz, permaneciam ardendo, pálidas e imóveis. E no espelho que o seu reluzir formava sobre a mesa redonda de ébano, em torno da qual nos reuníamos, cada um contemplava a palidez de seu próprio semblante e reparava no inquieto brilho dos olhares de seus companheiros. Entretanto, ríamos. E estávamos alegres a nosso próprio modo histérico. E cantávamos as canções de Anacreonte, que eram ensandecidas, e bebíamos muito, ainda que o vinho púrpura nos lembrasse a cor do sangue. Porque havia outra companheiro ali na sala: o jovem Zoilus. Jazia morto, estendido e amortalhado, como se fora o gênio e o demônio da cena. Mas... Ah! Ele não participava de nossa alegria, salvo o seu rosto, convulsionado pela Peste, e seus olhos, em que a morte apenas havia apagado a metade do fogo da peste, pareciam ter um certo interesse no nosso júbilo, os mesmo júbilo que quiçá sintam os mortos por aqueles que irão morrer. Mas ainda que eu, Óinos, sentisse que os olhos do defunto estavam fixos em mim, obrigava-me a não perceber a amargura de sua expressão e, enquanto contemplava fixamente as profundezas do espelho de ébano, em voz alta e sonora cantava as canções dos filhos de Téos. Mas, pouco a pouco, minhas canções foram cessando e seus ecos, perdendo-se nas sombrias cortinas da sala, minguaram até se tornarem inaudíveis, e desvaneceram-se completamente. Mas eis que dentre aquelas cortinas, onde os ecos do canto morriam, penetrou uma sombra obscura e indefinida. Uma sombra como a da lua quando se inclina no céu e assume a fisionomia de um homem; mas aquela não era a sombra de um homem, nem de Deus, nem de deus da Grécia ou da Caldéia, ou mesmo do Egito. E a sombra postava-se sobre a entrada de bronze, por baixo do arco da porta, sem um movimento, sem dizer palavras, e ali, imóvel, deixou-se ficar. Se bem me recordo, os pés de Zoilo, amortalhado, voltavam-se para a porta na qual a sombra descansava. Mas nós, os sete ali reunidos, tendo visto a sombra, no momento em que ela avançava sobre os cortinados, não nos arrojávamos a contemplá-la fixamente, senão baixamos os olhos e miramos as profundezas do espelho de ébano.

Finalmente eu, Óinos, balbuciando em voz baixa, perguntei à sobra qual a sua morada e seu nome. E a sombra respondeu:

“ Eu sou a SOMBRA e a minha morada jaz nas proximidades das Catacumbas de Ptolomais, junto às lúgubres planícies de Helusão, que margeiam o imundo canal de Caronte.”

Então, os sete nos levantamos de nossas cadeiras, tomados de horror, trêmulos, pálidos, porque o tom de voz da sombra não era de um único ser, mas de uma multidão de seres e, variando em suas cadências, de uma sílaba para outra, penetrava obscuramente em nossos ouvidos, com inflexões familiares, e bem recordadas, dos muitos milhares de amigos, que já morreram.

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