quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Conto: Museu do Terror I - Little Boy

Por Duda Falcão

Demoraram quase quinze dias para montar todo o parque. Finalmente, na sexta-feira, a bilheteria abriu. Filas e mais filas se formaram para os brinquedos e as atrações principais. Isolado, em um extremo do quarteirão, ficava o Museu do Terror, que não acumulava visitantes em sua entrada.
Uma menina puxando pelo barbante um balão de gás em forma de coração pediu ao pai que a levasse naquele brinquedo. O pai disse que aquele não era um lugar para se visitar, nem mesmo era um brinquedo. E além do mais deveria ser um tanto mórbido. A menina perguntou o que era mórbido. Bateu pé, quase esperneou. Queria entrar. Estava resoluta em sua decisão.
O pai preferiu não discutir e nem explicar o significado da palavra que ela não conhecia. Apenas acatou, faria a vontade da filha, afinal, só encontrava a menina aos finais de semana. Durante os outros dias, ela ficava com a mãe. Queria ser um bom pai no fim das contas.
Uma velha gorda, com um dragão tatuado no ombro, carimbou as mãos dos dois. Agora teriam livre acesso ao brinquedo. Pai e filha entraram depois de empurrar uma espessa cortina de pano negro. O lugar era amplo e mantinha-se na penumbra. Luminárias estavam estrategicamente instaladas sobre dezenas de caixas de vidro. O tamanho das caixas variava de acordo com o objeto que ostentavam. Todas tinham uma placa de metal contendo algum texto informativo. Diferentes, porém, de quaisquer textos encontrados em museus tradicionais. Às vezes, as plaquetas apresentavam apenas o nome, a origem ou um dado relevante sobre a coisa em exposição. No geral, se resumiam a mensagens curtas e incompletas.
Os dois caminharam até a caixa mais próxima. Solícito, o pai leu para a filha. A menina ainda não estava na escola, mesmo assim já sabia juntar as sílabas e compreender parte do que permanecia gravado na plaqueta.
— Artefato: A Mão do Macaco. Origem: Índia. Concede três desejos a três pessoas diferentes. Cuidado com o que você deseja!
— Posso fazer um pedido, papai?
— Não, filha! Não perca o seu tempo. Além do mais, você acha que essa coisa seca, com garras e pelos nos trará sorte? Eu sei o que você quer. Quer um pacote de pipoca doce, não é mesmo? Não precisa pedir. Eu comprarei. Tudo bem?
— Tá bom. Olha aquela coisa na outra caixa, papai — a menina cheia de ânimo apontou para um canto.
Era um gato preto mumificado. Na placa não havia qualquer informação além do nome do felino: Pluto.
— Pobre gatinho, papai. Ele não tem um dos olhos.
— Bizarro o bichano — murmurou o pai.
Mais adiante, os dois encontraram uma caixa de tamanho médio vazia.
— Por que não tem nada aí dentro, papai?
— Vou ler o que diz aqui. Criatura: O Horla. Origem: Possivelmente extraterrena. Capturado no Brasil. Alimenta-se da essência vital dos humanos. Necessita beber água constantemente.
— Hi, hi, hi. Esqueceram de colocar o boneco aí dentro!
— Lembraram de deixar a vasilha com água. Acham que sou idiota. Vou pegar nosso dinheiro de volta! — reclamou o pai.
Uma vitrina feita junto a uma das paredes de madeira comportava uma máquina complexa. Continha uma cama de metal acoplada a circuitos, fios e chaves de alta voltagem. O pai leu a plaqueta:
— Artefato: Máquina do Dr. Frankenstein. Criada em 1816. Cuidado: A tempestade é capaz de conceder a vida. O homem não deve almejar os poderes de Deus.
— E quem teria capacidade para tanto? — o pai ironizou o alerta.
Foram em frente. Os passos do pai pesavam sobre as tábuas que rangiam. Os pezinhos da menina, no entanto, pareciam plumas deslizando no assoalho encerado.
— Um caderno velho — disse a menina indicando outra caixa.
— O diário de Renfield. O documento que Bram Stoker não teve acesso.
— Quem é essa pessoa, papai? — a menina apertava e sacudia os dedos fortes dele para que respondesse a pergunta.
— Não faço a mínima ideia. Tem um livro de verdade ali. Talvez possamos saber quem é o autor.
O livro tinha aspecto antigo. Estava aberto. A capa era de couro, as páginas amarelas graças à ação do tempo exibiam letras e uma quantidade indecifrável de símbolos gravados com uma tinta vermelha.
— Livro: Necronomicon. Escrito por volta do século VIII depois de Cristo. Autor: Abdul Alhazred, o Árabe Louco. Integra os Mitos de Cthulhu. Cuidado: portas para outras dimensões podem ser abertas a partir das intrincadas regras do livro. O inferno é o menor dos seus males.
Um frio estranho percorreu a espinha da menina. Ela tremeu e se agarrou com mais força na mão e no braço do pai. Inferno era uma palavra que conhecia e da qual não gostava.
Ao lado daquela caixa de vidro, havia outra. Continha uma garrafa de bojo largo e pescoço comprido. Uma rolha a mantinha fechada. Um líquido escuro e esverdeado repousava em seu interior. O pai leu o texto:
— Peça: Fórmula do Dr. Jekill. Cuidado: Não beba. O outro se instalará em sua alma. Chega, filha. Vamos embora. Esse lugar está me cansando. Todo mundo sabe que o Dr. Jekill não passa de um personagem. Uma invenção de algum escritor lunático. Não acredite nessas coisas. Tudo aqui dentro é falso. Estou precisando de ar.
— Pai, vamos ver só mais um. Só mais um.
— O último, então. Ali tem outra cortina e não é a saída.
— Tá escrito na placa em cima da porta — a menina demorou um pouco pra juntar as sílabas — Te...rror...Su...pre...mo!
O pai ficou curioso, o que poderia ser pior do que aquele amontoado de bugigangas espalhadas em uma sala escura e pouco ventilada? A menina o puxou pela mão. Em seguida empurraram a cortina adentrando no pequeno e abafado aposento contíguo. À direita deles havia uma única caixa de vidro. Essa era a sua legenda:
— Réplica: Little Boy. Lançada em 06 de agosto de 1945 sobre Hiroshima.
Na parede da esquerda fotos e mais fotos em preto e branco referentes à explosão provocada por Little Boy aterrorizaram o homem. O pai colocou a palma da mão sobre os olhos da filha e a carregou dali. Alguns instantes depois, ele agradecia inconscientemente a Deus por poder respirar mais uma vez o ar puro e fresco da rua.
— O que aconteceu? — quis saber a menina apreensiva.
— Vamos a um brinquedo mais legal — o pai desvirtuou o assunto. Queria afastar todo aquele terror de sua retina.
— Eu quero ir à roda gigante.
— Seu pedido é uma ordem — tentou descontrair.
— Você não tá esquecendo uma coisa?
— O quê?
— Minha pipoca doce.
Os dois passearam o dia inteiro pelo parque. O pai guardou trancafiada a lembrança do Museu do Terror em um canto bem obscuro da memória. Preferia nunca mais lembrar daquele momento.


=============================
=============================

Quem quiser acompanhar esse conto cheio de mistério e seuspense, visite o blog do Duda Falcão e acompanhe os empolgantes episódios desse fascinante conto:

4 comentários:

  1. Oi, Carla! Muito obrigado pela postagem do conto. Fico realmente feliz em saber qe você gostou da história a ponto de publicar em seu blog.
    Valeu mesmo, sinta-se a vontade para publicar os contos do Museu também para aqui!
    Um grande abraço, valeu pela força e pela amizade!

    ResponderExcluir
  2. Duda, adoro o jeito que vc escreve:
    prende o leitor, cria um suspense enorme...
    Eu fico ansiosa d+++ para saber o que vai
    acontecer em seguida...
    Nossa, vc é show!
    Sou sua fã!
    Eu que só tenho a agradecer a vc, sempre,
    pela sua amizade e pelo seu carinho...
    Bjinhosssssssss

    ResponderExcluir
  3. Os contos do Duda são simplesmente maravilhosos...
    eu tb me prendo e viajo nos textos dele...

    ResponderExcluir
  4. Oi, Clau, minha flor!
    Então, sou fã mesmo dele, adoro
    a maneira especial que ele tem
    para conduzir o leitor para dentro
    das histórias...
    Show de bola!
    Bjinhossssssss

    ResponderExcluir

Saudações!
Fico muito feliz em saber a sua opinião!
Fique à vontade: opine, critique, elogie...
O meu Mundo de Magia e eu agradecemos a
sua atenção...

★Carla_Witch Princess★

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Visite - Vampire Place - O Portal dos Vampiros

Meu Guardião

Galeria Carla_Witch Princess

LIVROS COM A MINHA PARTICIPAÇÃO:

Moedas para o Barqueiro - Volume III


Caminhos do Medo - Volume II


Histórias Envenenadas - Volume 2


TRATADO SECRETO DE MAGIA - VOLUME 2


Drácula Eternamente - Digital Rio


Fuga Desesperada


Uma Lenda de Sedução


E-Book Gratuito: Última Parada - Sessão Terror - clique na imagem para baixar


E-BOOK GRATUITO: O MUNDO DE WITCHING - CLIQUE NA IMAGEM PARA BAIXAR


SOMBRIAS ESCRITURAS - ANTOLOGIA DE CONTOS SOMBRIOS - VOLUME 1


VERSOS VAMPÍRICOS


POETAS DA CONFRARIA - ANTOLOGIA


ÂMAGO: ANTOLOGIA DE POEMAS


PORTAS PARA O ALÉM - COLETÂNEA DE CONTOS DE TERROR


Palavras, versos, textos e contextos, Elos de uma corrente que nos une


Obrigada, amigos!

Obrigada, hakkyo!

Obrigada, Tétis! Obrigada, Amigos!

★The Witching World★ Headline Animator

 
Template desenvolvido para ۞۞The Witching World۞۞ © Copyright 2009 | Design By Clau-Mundo Blogger |